Santana Lopes vs. Rui Rio. Os calcanhares de Aquiles dos dois candidatos ao PSD

A entrada da Santa Casa no Montepio é um incómodo manifesto para Santana Lopes, que já tinha defendido que a SCML entrasse  no Novo Banco. A defesa de Rui Rio de que o PSD venha a apoiar um governo minoritário de António Costa transformou-se no assunto da campanha, com Santana a acusar Rio de querer…

Santana Lopes já queria Novo Banco antes de avançar para Montepio 

A ideia da entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no capital do Montepio foi do próprio Santana Lopes e teve sempre o aval do governo e do Presidente da República, garantiu ao i fonte ligada ao processo. O objetivo de entrar no setor financeiro não era novo. Em 2016, Santana Lopes desafiou o Crédito Agrícola e o Montepio a ficarem com o Novo Banco quando estava em cima da mesa a hipótese de nacionalizar a instituição financeira, com receio de não haver interessados na compra do banco. Também aí, ao que o i apurou, a iniciativa contava com o apoio do Banco de Portugal (BdP) e do governo. 

Esta possível entrada no Novo Banco chegou a ser admitida por Santana Lopes, em dezembro de 2016, numa entrevista à revista “Sábado”, ao revelar que manteve negociações com o Montepio para integrarem um consórcio que comprasse a instituição financeira. E justificou essa decisão: um dos objetivos era manter o banco com capitais portugueses e, por outro lado, rentabilizar as disponibilidades financeiras da Santa Casa que, na altura, tinha 192 milhões de euros em depósitos bancários, segundo o relatório e contas de 2015.

“Fundar um banco, para já, não podemos, não temos dinheiro para isso, nem saber para isso. Podíamos eventualmente participar num projeto que contribuísse para assegurar que determinados centros de decisão ficavam em mãos nacionais. Ou, pelo menos, em parte em mãos nacionais”, revelou na mesma entrevista.

Plano B No entanto, como a nacionalização ficou sem efeito e apareceram compradores internacionais, Santana Lopes viu a entrada no capital do Montepio como uma espécie de plano B para entrar no setor financeiro, deixando para trás o Crédito Agrícola. A ideia foi apresentada mais tarde ao governo, ao Presidente da República e ao BdP, que não viram qualquer tipo de entrave.

Aliás, ainda este fim de semana, o ministro Vieira da Silva admitiu que a “ideia de que a Santa Casa podia ter um papel [no setor financeiro] é uma ideia avançada pelo dr. Santana Lopes (então provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – SCML)”, revelou em entrevista à Antena 1.

A verdade é que esta ideia vai contra o que tem sido afirmado nas últimas semanas pelo candidato à liderança do PSD, alegando que tinha sido contactado pelo executivo e pelo regulador, que apresentaram razões de “interesse nacional” para a entrada da Santa Casa na instituição financeira. 

“O tema foi, de facto, suscitado e tratado em reuniões havidas com o governo e com o Banco de Portugal. Da parte dessas entidades, a matéria foi tratada com a SCML com a devida correção pessoal e institucional. As duas entidades assumiram ver com bons olhos essa possibilidade, tendo declarado sempre que respeitavam a esfera da autonomia da SCML”, revelou Santana em comunicado, em dezembro passado.

Já em junho, quando confrontado com a eventual entrada no capital do Montepio, Santana Lopes disse apenas: “Não quero ser banqueiro nem bancário”, apesar do respeito que tem “por ambas as profissões”. E chegou mesmo a garantir que, se não tivesse sido contactado nesse sentido, “a Santa Casa não entraria no negócio do Montepio por livre iniciativa”, uma vez que os riscos eram consideráveis – argumentos que caem agora por terra.

A partir do momento em que foi assinado o memorando de entendimento, a 30 de junho, a Santa Casa contratou o banco de investimento Haitong para ficar com 10% do capital. Esta participação irá exigir um investimento de 200 milhões de euros, uma vez que o banco está avaliado em cerca de dois mil milhões de euros. A instituição financeira estava avaliada em 1700 milhões de euros quando detinha 95% do capital, elevando-se para este valor depois de ter adquirido as restantes ações, passando a deter a totalidade do banco, e após aumento de capital de 250 milhões de euros.

Rui Rio admite apoiar governo de António Costa e invoca Marcelo

Rui Rio admite apoiar um governo PS caso António Costa não obtenha nas próximas eleições a maioria absoluta. 
A decisão já tinha sido indiciada no frente-a-frente na RTP. Quando confrontado com a possibilidade de apoiar um governo PS, Rui Rio afirmou que nunca diria “jamais” a essa possibilidade. Mas ontem subiu uns degraus sobre a admissão de um futuro apoio a um governo minoritário do PSD.

Na entrevista que deu à Rádio Renascença, divulgada ontem na íntegra, Rui Rio admite que o que lhe parece “razoável” é o PSD estar “disposto para, a nível parlamentar, suportar um governo minoritário seja ele qual for, neste caso, do PS”. 

Rui Rio justifica a sua posição, afirmando que esse apoio deveria ter sido dado por António Costa a um governo minoritário de Passos Coelho que deveria ter podido governar depois das eleições de 2015. “É aquilo que o PS deveria ter feito, suportar de forma crítica, naturalmente, mas deixar passar e governar o partido mais votado”, disse o candidato.

Ontem, interrogado pelos jornalistas sobre o facto de ter admitido o apoio a um governo PS minoritário, Rui Rio invocou a experiência de Marcelo Rebelo de Sousa que, enquanto líder do PSD entre 1996 e 1999, aprovou orçamentos do governo minoritário de António Guterres: “Há uma pessoa que explicaria melhor isso ao dr. Santana Lopes que eu, que era o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que quando o eng.o Guterres teve um governo minoritário, o PSD, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, e eu, na altura secretário-geral, permitiu que aquele primeiro-ministro que teve mais votos governasse. Foi o caso do eng.o Guterres.”

Rui Rio prosseguiu as explicações – coisa que tem sido obrigado a dar abundantemente desde o debate da RTP. “Se o dr. Santana Lopes amanhã for líder do partido, ou tem maioria absoluta ou então não consegue outra alternativa, porque se ele diz que não deixa o partido mais votado governar também não pode pedir a mesma coisa se lhe acontecer isso a ele.”

Rui Rio tem consciência de que esta posição pode não ser muito popular dentro do partido. Interrogado por Clara de Sousa sobre se esta posição de apoio a um governo minoritário do PS é o que os militantes esperam dele, Rui Rio respondeu assim: “É isso que os militantes do PSD esperam de mim. Não é o que esperam que eu diga hoje. Mas eu estou na política para fazer diferente.”

Rio lembrou que a sua decisão de aceitar dar apoio a um governo PS minoritário não é exatamente fazer um bloco central: “O bloco central só deve acontecer em situação absolutamente excecionais. Só aconteceu uma vez [1983-85, um governo liderado por Mário Soares, com o líder do PSD Carlos Alberto da Mota Pinto como número dois], não sei se vai voltar a haver outra situação excecional.”

Rio teve necessidade de lembrar, no meio da polémica, que o seu objetivo é ganhar as legislativas. “Obviamente que eu quero ganhar e obviamente que o PSD quer ter o primeiro-ministro, mas fazem-me uma pergunta: e se não tiver? Isso é uma possibilidade. Eu não gosto de ser hipócrita. A hipocrisia em política é uma das coisas de que eu não gosto.”

A predisposição de Rio para apoiar um governo minoritário dos socialistas serviu a Santana Lopes para voltar a colar – como fez no último debate – Rui Rio a António Costa. “O dr. Rui Rio, de facto, encontra sempre argumentos para justificar alguma proximidade ao Partido Socialista”, reagiu Santana Lopes, afirmando que, ao ouvir as declarações, tinha ficado surpreendido. “Surpreenderam-me muito, porque isso ser possível equivaleria ao PPD/PSD ocupar o lugar que agora é ocupado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda”, disse, citado pela agência Lusa, Pedro Santana Lopes.
O argumento da geringonça é devolvido por Rio a Santana: “O que eu fico a saber é que, se o meu adversário ganhar as eleições, a probabilidade de voltarmos a ter a geringonça é brutal.”