TAP. O saco azul de Neeleman

Com 50% do capital, o Estado é maioritário, mas quem manda são os privados. Apesar da tensão à esquerda, as decisões continuam a favorecer a companhia brasileira do empresário. 

TAP. O saco azul de Neeleman

A reestruturação que tem sido feita na TAP veio ajudar o negócio da Azul, a companhia aérea brasileira detida por David Neeleman, o norte-americano que ganhou a privatização da companhia portuguesa num consórcio com Humberto Pedrosa. Em junho de 2015, as contas da Azul entraram no vermelho, com um prejuízo semestral de aproximadamente 53 milhões de euros. Mas vários passos dados na TAP vieram dar um novo fôlego à empresa brasileira.

A situação da companhia de Neeleman não podia, aliás, ter mudado mais. A transportadora brasileira conseguiu no ano passado a tão desejada estreia na bolsa. Foi à quarta, mas a Azul conseguiu finalmente entrar nas cotadas. A operação acabou por permitir um encaixe de 456 milhões de euros. E as contas dos últimos anos falam por si. Em 2016, a receita operacional da transportadora de Neeleman foi de 6,67 mil milhões de euros, o que representou um crescimento de 6,6% em comparação com 2015. Tempos houve em que a Azul tinha prejuízos acumulados na ordem dos 59 milhões de euros. De acordo com o Globo, a empresa estava então numa situação muito complicada e chegou a ser obrigada a devolver 20 dos 140 aviões que faziam parte da frota. 

Uma das muitas sinergias entre as duas empresas aconteceu, aliás, a propósito das aeronaves. Em janeiro de 2016, a Azul começava a fornecer aviões à TAP, a preço de mercado – foi anunciada uma frota de 17 novos aviões fornecidos pela Azul, em regime de leasing, numa operação avaliada em 400 milhões de euros –, quando as aeronaves estavam com baixa atividade no Brasil. No entanto, os lucros deste casamento entre as duas transportadoras aéreas não ficaram por aqui. 

Também os voos foram alvo de alterações. Em setembro do ano passado, o presidente da companhia aérea brasileira, John Rodgerson, revelava que a ideia é que passassem a existir cada vez mais ligações partilhadas. Em entrevista ao Valor Económico, Rodgerson fez saber que a integração erade tal ordem profunda que as companhias passavam a decidir os voos em conjunto, assim como passavam a dividir os lucros e os custos de todas as operações. 

No início desta parceria, a Azul passou a fazer alguns voos que eram da velha TAP no Brasil como, por exemplo, a ligação Lisboa/São Paulo (Viracopos). O acordo de code-share, que permite venderem bilhetes uma da outra, começou desde cedo e já desde fevereiro de 2016 que se esperava que fossem tomadas mais decisões que beneficiassem a brasileira.

Recorde-se que, no final do ano passado, a Azul chegou a um acordo de parceria com a alemã Condor, abrindo assim a possibilidade de 22 destinos no Brasil. Uma decisão polémica, já que esta parceria pode concorrer com a TAP, cuja operação para o Brasil, via Lisboa, se baseia na captação de passageiros de toda a Europa. Nem Humberto Pedrosa, também ele acionista do consórcio Gateway, sabia que tal acordo, desenvolvido num mercado estratégico da TAP, existia.

TAP nas mãos de Neeleman

Já este ano surgiram mais novidades. O Estado, apesar de maioritário, tem deixado que grande parte das decisões sejam tomadas pelos acionistas privados. Desde setembro, altura em que o SOL noticiou que Fernando Pinto estava perto de passar o testemunho, foram dados vários passos no sentido de preparar a transferência da presidência da TAP para as mãos de Antonoalvo Neves, ex-CEO da Azul. Recorde-se que o gestor é o homem de confiança do empresário que é dono da Azul e sócio da TAP. 

Neeleman escolheu ainda um outro elemento executivo ligado à Azul. Raffael Guaritá Quintas, que estava na companhia brasileira como diretor financeiro, também terá assento na TAP como CFO. A comissão executiva da TAP ficará então entregue aos dois brasileiros, a David Pedrosa, filho de Humberto Pedrosa, e a um membro do grupo chinês HNA, acionista da Azul. Os chineses passam ainda a ter dois elementos no conselho de administração, quando atualmente tinham apenas um representante. Como SOL noticiou, em junho de 2017 vinha a público que Neng Li, administrador da Azul – onde o grupo chinês detém 22% –, também passava a ter assento na TAP. O gestor entrou para a administração da companhia brasileira em outubro de 2016 e acabou por passar para a lista de nomes da transportadora portuguesa. Agora, a HNA reforça a posição na TAP. 

Já em relação ao conselho de administração, por parte do Estado, não haverá alterações. Através da Parpública, vai ser proposto na assembleia geral (AG), agendada para dia 31 de janeiro, a recondução dos seis nomes indicados no ano passado. De acordo com o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, Miguel Frasquilho continuará como chairman da TAP. Serão propostos igualmente os nomes de Diogo Lacerda Machado, Esmeralda Dourado, Bernardo Trindade, Ana Macedo Silva e António Gomes de Menezes.

O SOL tentou contactar, sem sucesso, o gabinete do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, assim como elementos ligados ao Bloco de Esquerda e PCP. 

Recorde-se que a situação da TAP e as alterações que têm sido feitas no seio da companhia têm vindo a causar tensão à esquerda. Uma das questões que mereceu mais críticas foi a nomeação de novos corpos sociais. No Parlamento, o deputado Heitor de Sousa do BE sublinhou que, «com frequência, nomeados e ex-nomeados, transitam entre diversas empresas públicas e privadas, como se tais transações fossem naturais e eternas». Ao SOL, Heitor de Sousa explicou: «A TAP serviu como porteiro para a Azul entrar na Europa. Estendemos a passadeira vermelha, numa decisão inaudita. Além disso, é preocupante ver que o Governo se demitiu de assumir o papel de maior acionista da empresa». Também Bruno Dias, deputado do PCP, afirmou que «é claro que os interesses da Azul se têm vindo a sobrepor aos da TAP. Há muito tempo que consideramos que a companhia tem de ser protegida e isso não tem acontecido».

Ainda assim, a TAP defende que as contas têm vindo a melhorar e que para isso muito tem contribuído a estratégia adotada pelos acionistas privados. Numa entrevista à TVI, Fernando Pinto fez saber que deixa a liderança da TAP com uma companhia três vezes maior. O grupo já tinha, aliás, feito saber, em dezembro do ano passado, que esperava que os resultados entrassem finalmente em terreno positivo.