EDP desafia Costa e mantém Mexia como CEO

O nome do atual presidente foi proposto para continuar a liderar a elétrica, mesmo com António Costa  a condenar ‘atitude hostil da EDP’.

António Mexia conseguiu novo voto de confiança para um quinto mandato à frente da EDP, que decorrerá até 2020. Nos últimos meses a continuidade do gestor chegou a ser posta em causa depois de ter sido constituído arguido na investigação do Ministério Público aos contratos entre o Estado e a EDP sobre rendas garantidas (os chamados CMEC), juntamente com Manso Neto e , mais recentemente, com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) a concluir que as produtoras elétricas têm estado a receber rendas excessivas e, por isso, a defender um corte das rendas em 167 milhões por ano. Também a relação tensa com o Governo levava a crer que a China Three Gorges estaria à procura de um sucessor, já que o mandato de Mexia terminou no final de 2017.

A verdade é que os acionistas chineses sempre defenderam publicamente o gestor, falando em «total confiança», mas nunca se comprometeram com a sua permanência. 

Mas apesar destes argumentos de peso, o gestor foi um dos nomes propostos para a nova composição dos órgãos sociais que vai ser votada na próxima assembleia-geral (AG) agendada para 5 de abril pela China Three Gorges (que detém 21,35% do capital da elétrica), Oppidum Capital, Senfora, Fundo de Pensões do Grupo Millennium BCP e Sonatrach. 

O conselho conta com nove elementos, sendo que Manso Neto continua a ser proposto para números dois de António Mexia. António Fernando Melo Martins da Costa, João Manuel Marques da Cruz, Miguel Stilwell de Andrade, Miguel Nuno Ferreira Setas, Rui Lopes Teixeira, Maria Teresa Isabel Pereira e Vera Pinto Pereira completam a lista que passa a contar com uma presença feminina.

Já Luís Amado, antigo ministro de Sócrates, é proposto para as funções de chairman, em substituição de Eduardo Catroga. É acompanhado por Celeste Cardona, Ilídio Pinto, Jorge Braga de Macedo, Vasco Joaquim Rocha Vieira, Augusto Mateus, João Carvalho das Neves e António Vitorino.

A decisão de afastar Catroga da presidência do grupo EDP deriva de uma diretiva comunitária de 2015 que obriga empresas com um modelo de governação dualista (com um conselho geral e um conselho de administração executiva) a terem um presidente independente dos acionistas. Como o atual ‘chairman’ já cumpriu quatro mandatos na administração, dois deles como presidente executivo, perdeu esse estatuto de independente e não poderá manter-se.

«Guerra» aberta

Ainda na semana passada, a guerra entre o Governo e a EDP conheceu uma nova etapa, com o primeiro-ministro a voltar a usar a palavra «hostil» para classificar a atuação da empresa liderada por António Mexia. «Só lamento a atitude hostil que a EDP tem mantido e que representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o anterior Governo», afirmou António Costa em relação à decisão da empresa de não pagar a contribuição extraordinária sobre a energia (CESE) referente a 2017, num total de 69 milhões de euros.

A verdade é que esta decisão da elétrica portuguesa causou algum descontentamento nos partidos de esquerda que apoiam o Governo. A porta-voz do Bloco de Esquerda desafiou, esta semana, o primeiro-ministro a enfrentar a EDP, nomeadamente a baixar as rendas excessivas. 

Catarina Martins sublinhou que nesta altura do ano, com este tempo frio, «não há ninguém que não olhe para a fatura energética» e que a elevada fatura energética dos portugueses se deve aos «contratos que foram feitos com a EDP», o que no entender da líder do BE, representa um «verdadeiro escândalo».

A líder bloquista chega mesmo a dizer que «não basta dizer que a EDP é hostil. São precisas medidas fortes capazes de a contrariar». 

Também Jerónimo de Sousa criticou a decisão da empresa em não pagar a CESE. «Com a mesma impunidade com que a Galp o tem vindo a fazer, a EDP agora quer deixar de pagar a contribuição extraordinária sobre o setor eletroprodutor, retirando ao Estado dezenas de milhões de euros».

Mas a relação tensa entre Executivo e EDP não é de agora, apesar de ter ganho novos contornos a 29 de dezembro, após a elétrica ter anunciado o aumento da luz em 2,5% para os clientes do mercado livre a partir de 18 de janeiro. Nesse mesmo dia, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aconselhou os consumidores a consultar e comparar valores, usando os simuladores disponíveis, e a mudar para a oferta com condições de preço mais adequadas ao seu consumo.

No dia seguinte foi a vez de o Governo pedir à entidade reguladora para fazer uma «análise e eventual proposta de atuação no caso de a situação referida corresponder a alguma ação concertada», admitindo a possibilidade de proceder à revisão de normas legais ou regulamentares no sentido de os consumidores poderem beneficiar da descida das tarifas aprovadas para o próximo ano. 

Ao mesmo tempo, pediu à Agência para a Energia (Adene) para desenvolver, com urgência, uma campanha de informação, pedindo ao regulador que transmita «quais os aspetos mais relevantes que devem ser comunicados aos consumidores para que tenham acesso sempre às tarifas mais baixas do mercado». 

As «manhas» da EDP

Já em julho passado, o primeiro-ministro tinha referido as «manhas» da EDP na forma como este operador energético funciona no mercado, acusando também os reguladores do setor de darem cobertura à atuação da multinacional portuguesa. 

Meses antes, o secretário de Estado da Energia, em várias entrevistas, tinha alertado para os preços altos que são cobrados em Portugal, chegando mesmo a dizer que os consumidores estavam a ser «atacados pelas empresas de energia» e que o Governo não iria tolerar práticas comerciais agressivas. 

O facto de Mexia ter sido constituído arguido no âmbito da investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) à passagem dos contratos de aquisição de energia (CAE) para os custos de manutenção para o equilíbrio contratual (CMEC), em 2004 – contratos esses que garantem rendas anuais à EDP –, com Mexia a ser um dos arguidos, causou algum mal-estar.

A questão ganhou maiores contornos com a proposta de revisão por parte da ERSE até 2027. O Estado pagou à elétrica 2,5 mil milhões pelas centrais nos últimos dez anos, mas anunciou uma redução para 829 milhões de euros até 2027, cerca de 83 milhões anuais. 

A proposta foi imediatamente contestada pela EDP, que apresentara anteriormente uma proposta de ajustamento final de 256 milhões de euros e levou a empresa a considerar que se tratava de uma «mera simulação teórica que viola grosseiramente a lei», acrescentando que «a adoção de tais cenários e variações anularia a neutralidade económica subjacente ao processo de extinção antecipada dos CAE». No entender da elétrica não haveria razões para a discrepância dos valores apresentados.

Rendas em tribunal 

Também o pagamento da contribuição extraordinária sobre a energia (CESE), criada em 2014 pelo Governo de Passos Coelho, não tem sido pacífico, apesar de a EDP ter sido a última das três grandes energéticas – após a Galp e REN – a ir para tribunal contestar a CESE. A empresa liderada por António Mexia ainda pagou nos primeiros anos mas, em 2017, seguiu o exemplo das outras empresas. 

A elétrica já tinha decidido impugnar o pagamento da CESE em janeiro do ano passado depois de ter entregue a contribuição nos primeiros três anos, sem contestar. A EDP justificou então esta mudança de atitude com o argumento de que a contribuição apresentada pelo anterior Governo era temporária e extraordinária, para fazer face à necessidade de consolidação orçamental, e se estava a prolongar no tempo, sem prazo à vista para acabar.

Uma decisão que não agradou ao Executivo. Aliás, o Ministério das Finanças chamou a atenção para o facto de este boicote ao pagamento se verificar apenas no setor da energia, já que as contribuições sobre a banca e o setor farmacêutico continuam a ser pagas.

Na proposta de Orçamento do Estado para 2018, o PS chegou a votar a favor da criação de uma espécie de CESE sobre as energias renováveis, cuja receita teria como destino o sistema elétrico. Mas acabou por recuar no apoio à iniciativa do Bloco de Esquerda, por ordem do primeiro-ministro.