Trump, Oprah e os EUa (com ‘a’ de artista)

O discurso de Oprah permite fazer duas avaliações sobre a dinâmica do processo político americano. 

Adlai Stevenson foi um político raro. Era um intelectual com audácia política e um gentleman com sentido de humor. Certo dia, no início dos anos 50, um fervoroso apoiante do então governador democrata do Illinois desafia-o a candidatar-se à presidência. O argumento era bom: «Sr. Stevenson, todas as pessoas inteligentes estão consigo». Adlai não se deixou convencer: «Isso não chega. Eu preciso de uma maioria».

Vem isto a propósito daquele que é, no sonho de muitos, o momento zero da presidência Winfrey: a intervenção de Oprah na cerimónia dos Globos de Ouro. 

O discurso da estrela televisiva é, sem sombra de dúvida, uma extraordinária peça de oratória. A referência à menina pobre, sentada no vulgar ‘chão de linóleo’, que décadas antes assistiu à coroação de Sidney Poitier como primeiro negro a vencer um óscar (a força do ‘ethos’). A galvanização da audiência contra os poderosos recordando mulheres que, como a sua mãe ou Recy Taylor, tiveram de suportar décadas de abuso. Aquelas celebridades, que nos seus vestidos pretos de alta-costura, não eram mais do que as outras mulheres anónimas que «trabalham nas fábricas e trabalham nos restaurantes e nas universidades e nas engenharias e nas medicinas e nas ciências». A capacidade de levar o movimento #metoo a romper a bolha de Hollywood e envolver emocionalmente toda a audiência: «O tempo deles acabou!». Uma, duas, três vezes, cada repetição calibrada pela confiança de quem sabe que o futuro já está escrito. (o poder do ‘pathos’). 

A elegância de um argumento liberal sobre a defesa da imprensa e da verdade (o reforço do ‘logos’). 

E, a terminar, a certeza de que há «um novo dia no horizonte». É difícil não olhar para isto como um bom slogan de candidatura presidencial em 2020. 

O discurso de Oprah permite fazer duas avaliações sobre a dinâmica do processo político americano. 

No curto prazo, Oprah emerge como uma figura eletrizante para uma parte do eleitorado democrata órfã de liderança em ano de eleições intercalares – recorde-se que, desde Truman, o partido do presidente de turno perde, em média, 28 lugares, o suficiente para os democratas recuperarem o controlo da agenda legislativa.   

No longo prazo, é curioso avaliar a transformação da política numa espécie de passadeira vermelha para apresentadores, cantores, desportistas ou milionários. 

A relação das celebridades com a política não é nova. Nem, tão pouco, é coisa americana. 

Cicciolina, profissional de filmes para adultos, foi eleita para o parlamento italiano. Berlusconi chegou ao lugar de primeiro-ministro. Ksenia Sobchak, a ‘Paris Hilton’ russa, diz que é ‘alternativa’ a Vladimir Putin. Até a gelada Finlândia elegeu o flamejante Ari Vatanen para deputado europeu. A América teve Ronald Reagan (como presidente) e Arnold Schwarzenegger (governador da Califórnia). Todos veteranos se o barómetro da experiência política são Oprah ou Trump. 

O sucesso das celebridades explica-se por serem o oposto dos políticos. Elas contam histórias de sucesso, são populares (algumas também populistas), trazem novidade e são quase sempre marcas com valor aspiracional. Isso basta para que muitos eleitores criem a sua identificação num tempo de glorificação imediata. Quando o processo político é condicionado pelo número de likes, a democracia é reduzida a uma forma de entretenimento. 

Volto a Adlai Stevenson, que acabaria mesmo por concorrer à presidência – sem sucesso. 

2020 está longe. E num duelo de celebridades pela Casa Branca, Oprah até pode vir a ter uma maioria contra Trump. Mas isso não chega. Olhando para o futuro da república americana, do Partido Democrata e da própria, Oprah precisa que a sua decisão seja coisa mais inteligente a fazer.