O sermão aos peixes…

Se esta procuradora sair, Carlos Alexandre e Rosário Teixeira ficarão em lista de espera

Mesmo quem não tenha dons de adivinhação já intuiu que este ano será crucial para a Justiça em Portugal – podendo terminá-lo com o prestígio recuperado ou ainda mais degradado.

O grande teste serão, naturalmente, os processos mediáticos que envolvem José Sócrates e Ricardo Salgado, além de outros ‘notáveis’ suspeitos de crimes e de cumplicidades diversas, originando megaprocessos que algumas boas almas não se cansam de considerar ingeríveis.

Outro teste à saúde da Justiça será o termo do mandato, em Outubro próximo, da atual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, a quem se deve a coragem de não ter cedido às pressões que visavam descredibilizar as investigações do Ministério Público ao ex-primeiro-ministro e ao ex-banqueiro.

Percebeu-se que, ao reabilitar a imagem baça da Procuradoria herdada do seu antecessor, Joana Marques Vidal atraiu sobre si não poucos ‘ódios de estimação’, por estar a mexer com os ‘poderosos’ e a pôr a descoberto as complexas ramificações dos seus interesses.

A pergunta sobre o balanço da sua atividade não apareceu por acaso no primeiro frente-a-frente entre Santana Lopes e Rui Rio, na RTP, questionando-os como se a matéria estivesse já na ordem do dia. Curiosamente, os candidatos manifestaram opiniões divergentes. Enquanto Santana valorizou o legado da atual PGR, Rio foi, no mínimo, equívoco e infeliz na avaliação que fez.   

Ao confrontar Santana e Rio com o mandato da PGR – num debate largamente voltado para o passado de ambos e com o país quase ausente –, o jornalista da RTP  não foi inocente.

Coincidência ou não, começou a circular na imprensa que Joana Marques Vidal coordenava a equipa de magistrados do Ministério Público no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa, entre 1994 e 2002, quando ocorreram as alegadas adoções ilegais de crianças, acolhidas num lar da IURD. 

Talvez por isso, a Procuradoria reagiu numa nota enviada às redações, esclarecendo que «nada deixará de ser investigado», inclusive o «eventual contacto que a procuradora-geral da República possa ter tido com processos que correram termos na jurisdição da família e crianças». O comunicado foi oportuno e a Procuradoria fez bem em ser clara. Quem não deve, não teme. 

Na sua coluna no Observador, interrogava-se, a propósito, o historiador Rui Ramos: «Pode a eleição no PSD ajudar a criar ambiente para o fim de uma era na investigação criminal em Portugal?». Questão assaz pertinente.

Tão pertinente que, de uma forma inusitada, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, aproveitou uma entrevista à TSF para declarar sobre o mandato da PGR que «a Constituição prevê um mandato longo e único». Esqueceu-se, porém, de referir que a Constituição fixa a duração do mandato mas não impede a recondução. 

Objetivamente, o Governo quis avisar, com dez meses de antecedência, que tem outros planos para a Procuradoria, sem esconder os dissabores sentidos pela família socialista. António Costa citaria no Parlamento, em abono da sua neutralidade perante o MP, a «grande incompreensão de pessoas que são minhas amigas, camaradas, e pessoas com quem tive a honra de trabalhar». Sócrates, Vara?…

A não recondução de Joana Marques Vidal à frente da PGR – se o Presidente não se lhe opuser – aliviará decerto muito boa gente sobressaltada. Com Passos Coelho fora da direção do PSD, e removida a procuradora-geral, não faltará quem respire fundo. O juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira ficam em lista de espera…
Ao tomar esta iniciativa, que nada a obrigava, Francisca Van Dunem estará, também, a excluir-se de ser a sucessora de Joana Marques Vidal no cargo, como chegou a constar. 

Seria inadmissível – e eticamente deplorável – se Francisca antecipasse o anúncio da saída da atual PGR para ela própria abandonar o Ministério na primeira oportunidade, ficando a ‘marinar’ à espera do lugar numa casa que bem conhece. Não identificamos a ministra com esse perfil. 

Entretanto, as conclusões do grupo de trabalho reunido numa Cimeira da Justiça em Troia também dão pano para mangas, ao deixarem de fora os dois pontos mais sensíveis: a delação premiada e o enriquecimento ilícito. 

Esta Cimeira, nascida do desafio lançado há um ano por Marcelo Rebelo de Sousa, acabou coxa, onde mais se esperava que tivesse avançado.

Compreende-se, por isso, a frustração manifestada por juízes e procuradores ao lamentarem a falta de consenso à volta de medidas mais eficazes para enfrentar a criminalidade económica e financeira. Ficaram no tinteiro.   

O ano judicial adivinha-se movimentado. Os julgamentos de Sócrates e de Salgado são uma prioridade da Justiça. A Procuradoria também. 

Mal seria que o futuro Pacto da Justiça fosse uma espécie de sermão de Marcelo aos peixes…