As relações de Angola com Portugal

A Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP determina, no seu artigo 5º, a possibilidade de um determinado Estado solicitar a outro o julgamento nesse país de um seu cidadão.

Autor: Ascenso Simões

Não será necessário, para quem nos lê habitualmente, a consideração que sempre tivemos e que nos leva ao processo em que está envolvido o eng. José Sócrates. Para nós, as personalidades que desempenharam cargos de relevo, de ministro até ao Presidente da República, deveriam ser sempre julgadas num tribunal superior, assumindo o país a realidade que sempre se ocupa das interconexões entre a vida privada e a vida pública a partir do momento em que se exercem funções de gestão da coisa pública de nível mais alto. 

É também por isso que achamos, independentemente da análise se se segue, que a ser julgado em Portugal, Manuel Vicente, ex-vice-Presidente da República de Angola, deveria ver o seu processo segregado e tratado em tribunal superior. 
Mas a questão não é essa, por agora. 

No tempo que vivemos, a consagração de que ‘importa respeitar a separação de poderes’ é uma barbaridade. Logo agora que o Presidente da República reformata os seus atributos constitucionais consagrando uma nova consideração epistemológica a que já deram o nome de ‘populismo-institucionalista’. Poderíamos, com um conhecimento da História Universal, situar essa definição na primeira fase do peronismo, movimento que deu no que deu, a ditadura. 

A reivindicação da ‘separação de poderes’ tem servido só para limitar o papel do parlamento e do governo, uma aliança ideológica entre operadores de justiça e jornalistas. Ora, num estado de direito importa ponderar se não outros interesses em presença. 

Portugal não é um pária no contexto internacional, não se pode assumir como desgraduador da relação entre países da comunidade lusófona, não faz bem se tiver uma leitura colonial e uma visão elitista do funcionamento das suas (ou as dos outros) instituições. 

Os acordos internacionais assumem-se como direito interno, mas assumem-se também como obrigação mais ampla porque não nos dizem só respeito a nós. A nossa visão de ‘separação de poderes’ não pode ser, por isso, elemento de supremacia nas questões que importam ao direito internacional. 

A Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa determina, no seu artigo 5.º, a possibilidade de um determinado Estado solicitar a outro o julgamento nesse país de um seu cidadão. Claro que esse outro pode recusar, mas não o deve fazer por razões métricas, como seja – o meu sistema judicial é mais credível que o teu. 

Com este argumento Portugal deveria negar todas as solicitações dos EUA, o tal país onde Guantánamo se coloca no outro lado do Estado de Direito. Mas decidiu fazê-lo com Angola, coisa que o Reino Unido nunca faria com os Estados Unidos, nem mesmo Portugal com o Brasil. 

É por isso que importa considerar que o nosso país não pode deixar de considerar a posição, que o Ministério Público tem dedicado à questão de Manuel Vicente, com uma preocupação que interessa ultrapassar. Não há separação de poderes que não deva ser questionada perante esta visão anacrónica da relação entre Estados, nem pode haver uma determinação cega e pouco avisada das relações entre países que enquadram a mesma união de vontades. Por este caminho os interesses portugueses estão sempre em causa. Por este caminho seremos uns tontos na realidade da vida mundial.