Está caladinho!

Este ataque da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género é um aviso a quem queira debater abertamente e sem tabus os temas chamados ‘fraturantes’.

Dois duas depois da passagem do ano fui alertado para um comunicado da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) sobre um texto publicado nesta coluna que falava das operações de mudança de sexo.

A dita Comissão é um órgão do Governo, sediado na presidência do Conselho de Ministros, pelo que era o próprio Governo que manifestava o seu «repúdio» (sic) pelo texto. E adiantava ser este «suscetível de favorecer a prática de atos de violência homofóbica e transfóbica, (…) podendo o mesmo configurar a prática de crimes de discriminação sexual e de instigação à prática de crimes, designadamente contra a liberdade e a autodeterminação sexual».

Le e não acreditei. O meu artigo instigava à prática de crimes e violência? Onde? Em que linha? Em que palavra? Pelo contrário: o texto era todo ele um libelo contra a violência que uma operação de mudança de sexo representa, na medida em que é uma intrusão brutal na natureza.

A Comissão não gostou de ler isto porquê? Simplesmente porque é verdade! Quem pode negar que uma operação de troca de sexo significa uma violência enorme imposta ao corpo humano?

A questão central do artigo (que partia da descrição de uma reportagem que passou na TV sobre uma operação de mudança de sexo) era a seguinte: 

Quando um homem se sente mulher e vice-versa, é porque há uma contradição entre a mente e o corpo. Ora, em vez de se transformar o corpo para ficar de acordo com a mente, por que não  fazer um trabalho psicológico continuado para tornar a mente confortável com o corpo? Isto, obviamente, em colaboração com o paciente.

Esta abordagem do problema, não sendo fisicamente intrusiva, teria outra enorme vantagem: ser reversível, ao passo que a transformação do corpo é irreversível. Aliás, como se sabe, houve pessoas que se arrependeram de ter feito a operação mas já não havia nada a fazer.
Acresce que a aceitação das mudanças de sexo por via cirúrgica abre a porta a situações terrivelmente chocantes, como sucede na Tailândia – em que as operações são anunciadas nos jornais, com indicações de preço, e efetuadas em ambientes sórdidos. Será isto humano?

Uma pessoa que prezo, inteligente e moderada, dizia-me: «Peço desculpa de lhe dizer isto. Os seus artigos são muitas vezes originais. Mas este era evidente: é o que qualquer pessoa normal e saudável pensa». Dir-se-á que esta pessoa também não percebe nada do assunto. Será. Mas – repito – é uma pessoa culta. Como ela haverá muitos mais ‘ignorantes’…

Há anos escrevi um texto crítico em relação ao casamento gay que me valeu tremendos insultos e ameaças. Afirmei na altura que havia uma nova Polícia do Pensamento. Mas aí era uma Polícia informal, formada por cidadãos avulsos. Ora esta é uma Polícia instalada no próprio coração do Governo! 

Uma Comissão para a igualdade de género deveria preocupar-se em fomentar o debate sobre estes problemas, que são tudo menos consensuais. Deveria preocupar-se em estimular a discussão. Ora, a Comissão mostrou-se empenhada no oposto: em bloquear a discussão, em impedir que se discuta, parecendo ter medo do debate. 

Eu apresentava argumentos; a Comissão fez-me ameaças. Eu procurava discutir; a Comissão escolheu o caminho da repressão.

Queixou-se de mim (e do SOL, que cometeu o ‘crime’ de publicar um artigo que deveria ter censurado) à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, «para que atuem em conformidade».

Por outras palavras, a Comissão fez-  -me um aviso para o futuro: ‘Está caladinho ou levas no focinho’. 

A Comissão quer silêncio em vez do esclarecimento. Não se preocupa com a verdade – preocupa-se em defender a sua verdade. Em evitar novas heresias. E assim atua como uma nova inquisição. Que, instalada agora na Estrela e já não no Rossio, zela pela defesa do dogma. 

O meu pai escreveu vários livros sobre a Inquisição em Portugal. Nunca pensei que alguns séculos depois desses tempos negros, e mais de 40 anos após ser restaurada a liberdade de pensamento em Portugal, eu pudesse ser vítima de um processo semelhante. Salvo as devidas distâncias, evidentemente, pois em Portugal já não se queimam pessoas em fogueiras…

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