Sismo foi uma “chamada de atenção”, avisam peritos

Portugal tem todos os anos cinco a 15 abalos sentidos pela população. Desde o final de 2017 há um novo sistema de alerta de tsunami

Se o epicentro do sismo de ontem tivesse sido mais próximo de uma zona mais povoada, os estragos poderiam ter sido maiores. Fernando Carrilho, chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, sublinha que o exercício é sempre especulativo, mas é expectável que um sismo de magnitude 4.9 causasse mais danos numa cidade como Lisboa.

Mesmo na zona de Arraiolos, tendo em conta que o abalo foi classificado com uma intensidade de v na escala de Mercali Modificada (MMI) – gradação de 1 a 12 que avalia efeitos sobre estruturas e pessoas –, o especialista admite que estavam à espera de alguns danos ligeiros. Ao final do dia, apesar do susto, não havia ocorrências registadas.

Certo é que a terra não tremia com tanta intensidade no centro do país há mais de 20 anos, o que deve ser encarado como uma chamada de atenção, avisa o perito. “A atividade sísmica em Portugal é caracterizada por um espaçamento. Não são sismos muito frequentes, o que faz com que as pessoas e mesmo as autoridades possam não estar tão despertas”, diz ao i Fernando Carrilho. “Como não é algo que esteja permanentemente na ordem do dia, felizmente, há tendência a menosprezar o fenómeno e pensar que é algo que não vai acontecer no nosso país quando temos de nos proteger.”

A mesma ideia transmite Mourad Bezzeghoud, investigador do Instituto de Ciências da Terra da Universidade de Évora e um dos autores de um estudo que traçou o mapa de risco sísmico no país com base na intensidade de 175 sismos verificados em Portugal continental entre o ano 1300 e 2014.

Bezzeghoud explica ao i que a zona de Arraiolos tem uma falha ativa que no mapa que desenharam (ao lado) está definida com intensidade vii e em que os sismos já têm alguma repercussão, embora não haja registos de abalos dessa dimensão no passado mais recente.

O risco de tremores com maiores impactos junto da população e património surge na zona do Algarve e na região de Lisboa. No Algarve, o sismo de 28 de fevereiro de 1969 estará ainda na memória de muitos e causou um pequeno tsunami. Na região de Lisboa, além do sismo devastador de 1755, antes tinha havido o precedente do sismo e tsunami de 1531. Já o sismo de abril de 1909 foi o maior com epicentro em terra no século passado, tendo atingindo uma magnitude de 7.0 e uma intensidade de ix a x na escala MMI.

“O risco é sempre definido por dois fatores: a perigosidade, relacionada com as falhas, e a vulnerabilidade, que tem a ver com a habitação. A zona de Lisboa tem uma vulnerabilidade elevada. Já o Alentejo, não: é a zona de mais baixa densidade e não é de Portugal, é da Europa”, diz Bezzeghoud, alertando para a necessidade de um maior financiamento da investigação nesta área e maior controlo na construção. Investir no património e nas estruturas mais antigas de Lisboa, mas também tornar mais clara a legislação sobre as novas construções, é o apelo do investigador.

Risco em Lisboa, mas quando? Fernando Carrilho sublinha que é muito difícil definir um intervalo de ocorrência de grandes sismos na zona de Lisboa porque os grandes abalos na História foram causados por zonas diferentes das placas tectónicas. O risco existe mas, sem tecnologia que permita fazer previsões nesta área, o desafio de apontar um horizonte temporal torna-se impossível.

Nas últimas décadas, as estatísticas têm apontado para cinco a 15 sismos sentidos pela população a cada ano, mais os abalos que não são notados. Carrilho desmonta, porém, a ideia de que haver sismos mais pequenos a moderados pode prevenir um abalo maior. “Empiricamente, faz sentido, mas, por outro lado, a ocorrência destes sismos pode transferir stresse para outras zonas que pode potenciar ocorrências de sismos. Não é linear dizer que a ocorrência de pequenos sismos previna a ocorrência de outros maiores.”

Novo alerta de tsunami Dentro do que pode ser prevenido está um projeto, lançado no final do ano passado, para aviso em caso de tsunami. A partir de dezembro, o IPMA passou a gerir um mecanismo que, no caso de um sismo de magnitude relevante e com epicentro numa zona submersa, ou muito perto da costa, passará a calcular a probabilidade de se formar um tsunami e a dizer que zonas da costa atingirá.

O aviso é transmitido à Proteção Civil, a quem cabe avisar a população. O i tentou perceber se está previsto o envio de sms aos cidadãos, como aconteceu no passado fim de semana no Havai perante o risco de míssil, que se revelou um erro, mas não obteve resposta. Por cá, o sismo de ontem, com epicentro em terra e bastante longe do mar, não permitiu testar o novo sistema de alerta.