Silêncio. A banda a três dimensões de um fotógrafo e de um músico

Do deserto do Sara às pedras da Beira Alta, João Francisco Vilhena e Pedro Oliveira fotografaram e escutaram os silêncios preenchidos pelas palavras de Mega Ferreira.

O “desencontro natural” da “vida profissional e afetiva” separou João Francisco Vilhena e Pedro Oliveira quando a idade da inocência expirou e os rapazes cresceram mas ainda havia páginas da amizade para folhear. O reencontro pessoal há pouco mais de uma década reavivou memórias de uma cumplicidade com laços fortes na música e na imagem. 

“Fomos reviver a nossa amizade. Apesar de estarmos mais velhos, passámos pelo mesmo. Percebemos que gostávamos de trabalhar juntos. Como construir algo com imagem e música, que não tivesse a ver com o cinema e o vídeo”, foi a premissa. E o impulso uma viagem “onde pudesse estar tudo condensado”. Um livro “em branco” onde pudessem estar “essas imagens” e construir “a banda sonora” para que “as imagens pudessem ser o complemento da música”. As palavras “surgiriam depois”, explica o fotojornalista e artista visual.

Três destinos para outras tantas dimensões criativas da “banda de um fotógrafo e de um músico”: “Silêncio”, o livro-disco com textos de AntónioMega Ferreira e a palavra-chave “Longe” sinalizada no canto superior direito da capa. “A primeira viagem foi para o Sara ocidental”, recapitula Pedro Oliveira, o vocalista dos Sétima Legião que, em 1992, escolheram uma canção chamada “A Voz doDeserto” para apresentar o álbum “O Fogo”. “Não sabíamos como é que iríamos concretizar isto tudo. Comecei a ter ideias ainda o João não estava no processo de revelar fotografias. Os processos foram paralelos”, descreve o músico, que faz questão de enfatizar “as imagens que há na música”. “Baseei-me sempre na imagem que tinha das viagens que depois acabaram por se refletir nas fotografias do João”, detalha. Uma “banda sonora das imagens”, sintetiza. E todos os sons ambiente da gravação são captados in loco. 

O livro foi o objeto escolhido para guardar todas as memórias. Na primeira viagem, recorda o fotógrafo, “o digital ainda não tinha a força de hoje”. Por isso, todas as fotografias foram feitas em filme. Ainda não era chegado o tempo de usar o YouTube, o Vimeo ou até o Instagram. Um acervo líquido em forma de nuvem, como hoje é norma. Fotos a cores, preto e branco e Polaroid para ilustrar “um livro com música dentro”, “latitude e “longitude” para orientação do leitor/observador. A ligação direta com “o mundo contemporâneo”. A narrativa seria servida pela “densidade” interpretativa de AntónioMega Ferreira. Perto da vista, embora longe do chão, este achou a omnipresença: “Longe”. 

A partida foi apenas “um pretexto” para o regresso, mas o desembarque é constante entre a secura do deserto do Sara, a planície vulcânica da Islândia e as pedras da Beira Alta. “Sítios onde não houvesse nada”, refere JoãoFrancisco Vilhena. “Onde não houvesse nada para fotografar e captar”, continua. “Os primeiros dias [no deserto do Sara] foram muito silenciosos. Não tiveram a dimensão bucólica do ‘Lawrence da Arábia” ou do ‘Paciente Inglês’, descreve. “São estradas sem nada. Como é que se fotografa o nada? Era o desafio. E para o Pedro também.”

Na Islândia, o extremo oposto, viveram na pele o inverso dos termómetros. “Do calor para o frio, encontraram “um silêncio não assustador” que permite observar “a realidade de outra forma”. E a Beira Alta serviu de destino final “a uma viagem de norte a sul com Portugal no centro” onde a paisagem se repetisse: “a do silêncio”. 

Para Pedro Oliveira, “este silêncio tem mais a ver com a partida do que com a chegada, pelo menos foi o que senti noSara e na Islândia. É sempre algo a que me imagino a voltar”, conta. “Como se estivesse sempre a caminhar para lá”, continua. “Mas sentimos que algo estava incompleto. A ideia do regresso foi sempre importantíssima. Por isso é que fizemos questão de gravar coisas em Portugal.” Um “regresso a casa” em que os dois evitaram “o paradigma do mar” e escolheram a serra da Estrela “da solidão das pedras” para finalizar a trilogia.

“Silêncio” é então um livro-disco a três dimensões com imagens, sons e palavras dentro, mas pode crescer além dessas fronteiras. Artista visual e músico pensam agora em dar forma a uma performance que, embora não venha a ter o figurino de um concerto tradicional, poderá ser prolongada ao palco em forma de banda sonora interpretada em tempo real com as fotografias publicadas e todas as outras que a memória desconhece.