Casa dos Horrores. O Facebook escondeu o lado negro dos Turpin

David e Louise pareciam ter uma vida feliz com os seus 13 filhos, mas a realidade era muito diferente daquilo que mostravam nas redes sociais

Tem apenas 17 anos, mas a força de alguém que passou mais do que a maioiria dos adultos. Foi graças à coragem de uma das filhas de David Allen e Louise Anna Turpin que, no domingo passado, a polícia encontrou os seus 12 irmãos fechadoas na casa de família, alguns acorrentados e todos com sinais de maus-tratos.

“Foram encontradas várias crianças acorrentadas às suas camas com correntes e cadeados, na escuridão e num ambiente com cheiros nauseabundos”, lê-se no comunicado emitido pela polícia do condado de Riverside, na Califórnia (EUA). Quando entraram no número 160 da Rua Muir Woods, em Perris, as autoridades ficaram chocadas com o estado das vítimas. Pareciam ser todas menores de idade, mas o aspeto frágil devia-se às condições deploráveis em que viviam: na verdade, a filha mais nova dos Turpin tinha dois anos, mas o mais velho tinha 29. A jovem de 17 anos que conseguiu fugir de casa e alertar a polícia para o que se estava a passar “parecia ter 10”, devido ao seu “tamanho pequeno e aparência magra”, descreveram as autoridades.

Os agentes da polícia que estiveram no local deram comida e bebida às 13 vítimas, que estavam “famintas”. De seguida, foram todas encaminhadas para o hospital, não existindo, até ao fecho desta edição, mais informações sobre o seu estado de saúde. Para já, o que se sabe é que uma primeira análise feita pelas autoridades sugere que as vítimas tenham sofrido abusos durante um “longo período de tempo”.

Como é que ninguém sabia o que se estava a passar? A verdade é que algumas pessoas suspeitavam de que algo não estava bem, mas nunca pensaram que a situação fosse tão grave. Um antigo vizinho dos Turpin, que se identificou apenas como Mike, disse ao jornal New York Post que os 13 filhos do casal eram obrigados a acordar a meio da noite, a formar um círculo e a marchar: “Marchavam para a frente e para trás a meio da noite. Parecia que pertenciam a um culto (…) A minha mulher dizia que eles pareciam uns clones. Falavam de uma forma robótica, todos ao mesmo tempo e no mesmo tom”.

De acordo com o comunicado das autoridades do condado de Riverside, David Allen Turpin, de 57 anos, e Louise Anna Turpin, de 49, foram imediatamente questionados sobre o que se estava a passar, mas foram “incapazes de dar uma razão lógica que justificasse o facto de os seus filhos estarem fechados em casa naquelas condições”. O casal foi detido por suspeita de tortura e negligência, tendo sido aplicada uma fiança de nove milhões de dólares (cerca de 7,3 milhões de euros).

De acordo com Susan von Zabern, diretora dos serviços sociais do condado de Riverside, o casal não aparenta sofrer de qualquer distúrbio mental que pudesse justificar de alguma forma os seus comportamentos. As autoridades já começaram a entrar em contacto com familiares das vítimas, para posteriormente fazer uma avaliação das condições em que vivem e perceber se poderão ficar responsáveis pelos menores.

Retrato de uma família ‘feliz’ O caso dos Turpin correu o mundo e milhares de meios de comunicação decidiram explorar o seu passado – na era da Internet, esta acabou por ser uma tarefa fácil. David e Louise tinham uma conta conjunta no Facebook, na qual partilhavam vários momentos da sua vida privada.

A imagem passada pelo perfil dos Turpin, que foi entretanto apagado, não podia ser mais diferente da realidade. O casal publicava fotografias dos filhos com regularidade: viagens à Disneyland, passeios em família, fotografias do dia em que decidiram renovar os votos de casamento, retratos do que parecia ser uma família perfeita. As crianças pareciam estar um pouco pálidas, mas sorriam para a câmara, acompanhadas pelos pais, também eles com um sorriso no rosto.

As fotografias mostram que os filhos dos Turpin estavam sempre vestidos de igual, independentemente da idade. A mãe de David, Betty Turpin, explicou à CNN que esta regra facilitava algumas questões logísticas: “Eles vestiam-se todos iguais quando saiam por razões de segurança (…) Eles eram muito protetores em relação às crianças”. À estação televisiva ABC, Betty e o marido, James, mostraram-se “surpreendidos e chocados” com o que se está a passar.  Também a irmã de Louise, Elizabeth, disse estar chocada com as notícias que surgiram nos últimos dias, mas confessou que o casal tinha alguns comportamentos estranhos: “Ela nunca nos deixava falar com os miúdos. Os meus pais tentaram marcar uma ida lá a casa, mas quando chegavam a Riverside eles não os recebiam. Morreram sem ter a hipótese de os ver. Algo parecia estar errado, mas nunca pensei que a situação fosse esta. Estou destroçada e muito envergonhada”, disse ao Daily Mail.

Problemas financeiros De acordo com a investigação do jornal LA Times, os Turpin declararam falência duas vezes. O advogado que os representou no último caso, em 2011, mostrou-se chocado com as notícias que vieram a público.

“Sempre achei que eram pessoas muito simpáticas, que falavam muito bem dos seus filhos (…) Pareciam pessoas normais que tinham tido a infelicidade de ter problemas financeiros”, disse Ivan Trahan. O advogado explicou que David, que chegou a trabalhar numa empresa de aeronáutica e tecnologia de defesa, tinha um salário “relativamente elevado”, mas tinha dificuldades em fazer face a todas as despesas que tinha com os filhos. De acordo com documentos a que o LA Times teve acesso, David Turpin ganhou mais de 140 mil dólares (cerca de 115 mil euros) em 2011, mas as despesas familiares excediam este valor: a dívida chegava quase aos 240 mil dólares (cerca de 196 mil euros). Louise era dona de casa e não recebia qualquer subsídio estatal.

Escola privada com seis alunos Segundo a mesma investigação, o número 160 da Rua Muir Woods, que era propriedade dos Turpin, estava registado no diretório do Departamento de Educação como uma escola privada chamada Sandcastle Day School.

Tratava-se de uma instituição não-religiosa, com seis alunos inscritos: no quinto, sexto, oitavo, nono, décimo e décimo segundo ano. Nos documentos relacionados com a ‘escola’, David surgia como diretor do estabelecimento. Os avós das crianças, James e Betty Turpin, disseram à ABC que as crianças tinham aulas em casa.

Segundo o jornal britânico Guardian, a escola dos Turpin nunca recebeu qualquer visita das entidades competentes.