Lava Jato. Van Dunem volta atrás e reavalia decisão de extradição de arguido para o Brasil

Ministra considerou admissível o pedido de extradição por parte das autoridades brasileiras em 2016 e o processo passou para os tribunais. Até ao início deste ano, Van Dunem entendia que tudo o que surgisse teria de ser analisado pela justiça, e não pelo ministério. Agora surgiram novos dados e pondera reavaliar a sua decisão administrativa…

A extradição para o Brasil do arguido da Operação Lava Jato preso em Portugal em 2016 está a ganhar contornos delicados, havendo a possibilidade de, após meses e meses de decisões em diversos tribunais, tudo voltar à estaca zero com uma decisão administrativa da ministra da Justiça.

Isto porque, no início deste mês, a defesa fez um requerimento àquele ministério em que provava que, com a alteração da lei da nacionalidade, Raul Schmidt tinha passado a ser cidadão nacional de origem (e não um naturalizado em 2014, como até então), questionando assim a decisão de admissibilidade da extradição tomada pela ministra em abril de 2016. 
Em causa está o facto de Francisca Van Dunem ter autorizado a extradição na fase administrativa do processo, considerando que os crimes por que ia ser julgado no Brasil eram anteriores a ter nacionalidade portuguesa, algo que, com a atribuição da nacionalidade de origem, deixa de fazer sentido. Raul Schmidt passa a ser um português de nascença por força da lei que entrou em vigor após a decisão da ministra. 

O problema é que uma extradição tem duas fases – a administrativa, a cargo da ministra, e a judicial, a cargo dos tribunais. E como a primeira foi ultrapassada em abril de 2016 com a decisão de Van Dunem, tudo corre há mais de um ano nos tribunais, tendo todas as decisões sido favoráveis à extradição de Raul Schmidt para o Brasil, por crimes de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa.

Até 29 de dezembro, a ministra defendia que qualquer situação – inclusivamente a mudança relativa à nacionalidade, aspeto que o i referiu numa pergunta dirigida à tutela na altura – deveria ser analisada nos tribunais, não podendo o ministério ter já qualquer interferência, sob pena de o governo desrespeitar a separação de poderes.

“A decisão sobre a extradição pertence, atualmente, em exclusivo, por inteiro aos órgãos jurisdicionais, não sendo admissível, por força do princípio constitucional da independência dos tribunais, qualquer intervenção do Ministério da Justiça. Serão, portanto, os tribunais que decidirão, soberanamente, sobre todas as questões relativas à extradição, designadamente a relativa à inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas”, referiu na altura ao i o gabinete de Francisca Van Dunem, lembrando todo o percurso do caso após ter sido considerado admissível na fase administrativa: “O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de julho de 2016, deferiu o pedido de extradição da República Federativa do Brasil, e consequentemente autorizou a extradição. A questão encontra-se, agora, pendente de decisão no Tribunal Constitucional.”

A mudança de posição de Van Dunem

A posição do Ministério da Justiça mudou, no entanto, nos últimos dias, com a entrada de um requerimento da defesa com um despacho do Instituto dos Registos e Notariado que reconhece a nacionalidade de origem a Raul Schmidt, com base na nova lei da nacionalidade.

Após a receção do documento, o gabinete de Francisca Van Dunem, questionado pelo i, deixou de referir a impossibilidade de intervenção do Ministério da Justiça em assuntos que estão nos tribunais, referindo que o “requerimento [da defesa] – que levanta complexos e intrincados problemas de índole jurídica, designadamente por força das decisões jurisdicionais já proferidas” – se encontra “pendente de apreciação”. Ou seja, o ministério já avalia uma matéria num processo que dizia, em dezembro, ter passado a correr em exclusivo nos tribunais. E, a acontecer, uma nova decisão administrativa – de não admissibilidade da extradição – poria em causa todas as decisões judiciais entretanto tomadas e seria um caso inédito em Portugal. 

Como já tinha referido ao “DN”, o ministério justifica a mudança de posição sobre o assunto com o facto de entretanto terem surgido informações novas. “O requerente tinha realmente adquirido a nacionalidade por naturalização; mas só recentemente adquiriu a nacionalidade portuguesa originária – que retroage à data do nascimento – e é esta última aquisição que constitui um facto novo, cuja relevância jurídica está a ser ponderada”, diz fonte oficial, adiantando que “já depois da informação do MJ [de 29 de dezembro], que era inteiramente exata, o extraditando, Raul Schmidt, dirigiu à Senhora Ministra da Justiça um novo requerimento, fundado num facto também ele novo e superveniente: a aquisição da nacionalidade portuguesa originária, que retroage à data do seu nascimento.”

Questionado concretamente sobre se está em causa a possibilidade de voltar atrás com a admissibilidade de extradição, o ministério limita-se a dizer que “o facto novo – a retroação da aquisição da nacionalidade ao momento do nascimento – é juridicamente relevante e foi com base nele que o requerente dirigiu ao Ministério da Justiça um novo requerimento, pedindo a reponderação da decisão anterior”. E conclui: “É esse requerimento que está em apreciação.” O gabinete da ministra não adianta, no entanto, por considerar prematuro, qualquer cenário.
 
Constitucional diz que arguido quer atrasar extradição

Numa recente decisão de um recurso, datada de 9 de janeiro, o Tribunal Constitucional rejeitou analisar o pedido da defesa do luso-brasileiro, considerando: “As pretensões do reclamante ora apresentadas apontam, claramente, no sentido de estarmos perante incidentes pós-decisórios manifestamente infundados, e portanto com mero intuito dilatório.”

Por isso, foi decidido que o processo deveria continuar no tribunal recorrido, ou seja, no Supremo Tribunal de Justiça, para onde o processo foi remetido a 11 de janeiro. Atualmente encontra-se para despacho do juiz conselheiro Francisco Caetano, e, sabe o i, no Supremo já serão analisados os novos dados invocados pela ministra da Justiça. 

O esfriar de relações com o Brasil O i contactou o procurador brasileiro responsável pela parte da Lava Jato que implica Raul Schmidt, que disse estar a acompanhar os trâmites na justiça portuguesa.

Diogo Castor de Mattos, que desconhece quaisquer outras movimentações, diz não ver quaisquer factos novos neste caso, lembrando que “os pleitos [da defesa] foram rejeitados em todas as instâncias do judiciário”.
Há dias, o mesmo procurador disse ao semanário “SOL” que a nova lei portuguesa da nacionalidade não altera os pressupostos da extradição. Afirmou ainda: “A gente fica um pouco perplexos que o réu continue usando dinheiro do crime para contratar pareceres jurídicos e sustentar o insustentável. Continua usufruindo do produto do crime, da atividade ilícita.” 

Perante os mais recentes de-senvolvimentos, outras fontes do Ministério Público de Brasília, que preferiram não ser identificadas, disseram não ter dúvidas de que, caso alguma decisão administrativa trave o caminho em curso na justiça portuguesa, o mais natural será um esfriamento nas relações entre os dois países.

Defesa insiste que extradição é ilegal

A defesa de Raul Schmidt, contactada ontem pelo i, assegurou que “é ilegal a extradição de portugueses de origem para o Brasil”, lembrando que o reconhecimento dos serviços do IRN sobre essa matéria só chegou no início deste mês. O advogado Pedro Delille confirmou ainda que o caso está agora no Supremo Tribunal de Justiça, instância que também vai analisar a questão da nacionalidade originária. 

Os pareceres que a defesa pediu a Gomes Canotilho, Paulo Otero e Rui Moura Ramos também concluem, segundo noticiou o “DN”, que o arguido não pode ser extraditado.