Wilde Maus. Da destruição de um homem burguês

“Wilde Maus” é o filme de abertura da 15.ª edição do KINO, em Lisboa. Filme de estreia na realização do ator austríaco, que o i entrevistou.

O bom burguês deixado à solta pode bem acabar por se descobrir um rato selvagem. Bem se vê pela história de Georg, que começa como o consagrado, brilhante, aparentemente intocável crítico de música clássica de um jornal de Viena para terminar como homem igual a todos: numa troca de acusações com a mulher, que só aos 40 decide que quer ter filhos. Tudo dentro de um carro amarelo emprestado pelo condutor de um comboio de parque temático, e lá fora a chuva e uma fila de trânsito.

Mas vamos ao princípio: Georg, interpretado pelo próprio Josef Hader neste filme que marca a sua estreia na realização e seguiu diretamente para a Competição da Berlinale, no ano passado, é informado pelo seu diretor (Jörg Hartmann) de que será – na verdade, já está – despedido, em resultado de uma política de redução de custos por parte da administração do jornal onde trabalha há muito tempo – provavelmente, desde sempre. Facto que decide esconder de Johanna (Pia Hierzegger), a sua mulher, psicóloga que, entre pesquisas sobre as melhores posições para conseguir engravidar, a sua ovulação e tudo o que houver para saber sobre práticas de inseminação artificial, estará provavelmente a precisar de terapia para si própria. 

“Queria contar uma história sobre pessoas e escolhi personagens da classe média porque são aquelas que conheço verdadeiramente”, explica-nos o realizador (e argumentista e protagonista de “Wilde Maus” numa troca de emails sobre o filme que faz esta noite (às 21h, no Cinema São Jorge, em Lisboa) a abertura do 15.o KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã, que se estende depois ao Porto e a Coimbra. “O que há de belo [no cinema] é que, quando contamos uma pequena história sobre alguém, estamos sempre a falar sobre uma sociedade e sobre as crises que atravessa.” A dos refugiados, por exemplo, sempre presentes ainda que ausentes, a lembrarem-nos apenas que esta é uma história deste tempo – não tivéssemos percebido ainda pela apresentação do jornalismo de referência como ofício em vias de extinção.

A partir daqui, “Wilde Maus” (rato selvagem) será, entre o metafórico e o literal, a viagem de um homem de meia-idade para a descoberta de uma nova vida, para lá dos concertos e do que distingue uma ópera qualquer de um “singspiel”, que o levará ao Prater, o conhecido parque de diversões de Viena. “OPrater é uma espécie de ilha nesta cidade”, a capital austríaca. “É a forma mais fácil de mergulharmos noutro mundo. E o título é interessante, não é? Gosto que, em vez de explicar, um título desperte interesse.” Há de ser nesse parque que ajudará uma espécie de amigo reencontrado a recuperar uma montanha-russa desativada, tanto metáfora quanto bote salva-vidas, enquanto vai sendo engolido por uma espiral de vingança que o leva a um território desconhecido, ao encontro de um final possível. 

Eis uma história sem lugar para bons nem para maus, para vítimas ou para agressores, apenas para redimidos. Para Hader, está aqui o ponto-chave deste seu filme:na forma como evoluem as personagens e, com isso, a forma como evoluem também as relações à partida estabelecidas entre elas. “No final, idealmente terão aprendido alguma coisa”, espera, “e talvez também a audiência.”

Provável que sim, até porque, afinal, isto era tudo sobre uma montanha-russa. Claro que ao som de música clássica.