Pedro Mexia: “O consentimento nem sempre é explícito”

Desde a publicação da já chamada carta de Deneuve no “Le Monde” que o consenso inicial em torno do tema do assédio parece desfeito. Partindo desta ideia, o i  fez duas perguntas a (Pôr o nome e o cargo da pessoas):

Pedro Mexia, Poeta e cronista

1. A palavra assédio tem mais utilidade no contexto de uma relação de trabalho ou de poder. Aí, o que está em causa não é tanto a questão sexual, mas a questão hierárquica de alguém que se está a aproveitar da sua posição – seja como patrão, como produtor, etc. – para exercer um poder que, neste caso, é de natureza sexual mas poderia ser de outra. Quando se passa disso para a sedução no sentido lato da aproximação sexual entre pessoas, a regra que vigorava até agora – a do consentimento – parece-me boa para continuar a vigorar. O consentimento nem sempre é explícito ou explicitado, há zonas de dúvida ou de sombra, mas eventos como este [envolvendo Aziz Ansari] de alguém que decide a posteriori que foi abusado abrem a porta para a confusão entre aquilo que é uma experiência negativa com uma de abuso, e a partir daí nunca mais paramos.

2. A carta da Deneuve e das outras 99 chama a atenção para aspetos que me parecem importantes: que, sendo tudo comportamentos negativos, há uma gradação entre um comentário sexista, por exemplo, e uma violação. Não é sério dizer-se que é tudo a mesma coisa. É sério dizer que tudo é censurável, mas com graus diferentes. 
Já a expressão do “direito a importunar” não me parece particularmente feliz. E há certos traços geracionais no tom do texto, como uma ideia de relação entre homens e mulheres que me parece antiga, portanto não posso dizer que o subscreva. Subscrevo, sim, o texto da Margaret Atwood.