Venha o diabo e escolha…

Rui Rio ganhou o PSD com mais ou menos militantes arregimentados por caciques locais, como sucedeu em Ovar, segundo o Observador, sem ser desmentido. Resta saber se o PSD ganhará alguma coisa em ser o cabide, à direita, no armário onde o PS já guarda, à esquerda, o Bloco e o PCP, ao prometer viabilizar…

Rui Rio ganhou o PSD com mais ou menos militantes arregimentados por caciques locais, como sucedeu em Ovar, segundo o Observador, sem ser desmentido. Resta saber se o PSD ganhará alguma coisa em ser o cabide, à direita, no armário onde o PS já guarda, à esquerda, o Bloco e o PCP, ao prometer viabilizar um Governo minoritário socialista, se necessário.  

Ao anular o PSD como verdadeira alternativa à ‘geringonça’, antecipando uma derrota em 2019 (se não for antes), Rio está a render-se à orientação preconizada por Manuela Ferreira Leite, para quem mais vale «vender a alma ao diabo» do que convencer os eleitores a saírem da órbita do PS. É pouco ambicioso.  

O PSD tem-se dado mal ao invocar o maligno, como aconteceu no Verão do ano passado, quando Pedro Passos Coelho se despediu dos deputados, antes de férias, avisando-os de que «gozem bem as férias que em setembro vem aí o diabo». 

O ainda líder identificava, pessimista, sinais negativos na economia e na banca que, pelo menos em parte, não se confirmaram. Em contrapartida, quando a futurologia foi substituída pela realidade dos dramáticos incêndios em Pedrógão – e, mais tarde, numa mancha alargada no centro do país -, Passos Coelho não soube ser o porta-voz da indignação das populações sinistradas, perante a ausência do primeiro-ministro a banhos e a grosseira ineficiência do Estado. 

António Costa poderia ter chegado ao fim da linha nesse Verão quente, mas foi salvo pelo retraimento de Passos Coelho e pelos ‘exorcismos’ de Marcelo Rebelo de Sousa, que preencheram os seus vazios.

Seria desejável que Manuela Ferreira Leite tivesse aprendido a não citar o diabo em vão, e a pôr os ressentimentos pessoais de parte. Mas não. Mimetizou os ‘ódios de estimação’ de José Pacheco Pereira, artífice na oposição intestina no partido.    

Juntamente com Rio, houve outros vencedores na noite de domingo. Desde logo, Francisco Pinto Balsemão, o fundador do PSD, que já o desafiara a «montar o cavalo do poder» e a candidatar-se à Presidência da República, por ser a hipótese, como disse, «que mais entusiasmo e confiança me inspira». 

Sabe-se como Balsemão nunca nutriu particular afeto por Marcelo Rebelo de Sousa, desde os tempos do Expresso. E como decidiu, expeditamente, despachar doze publicações do seu portfólio para o ‘purgatório’, a pretexto de não vender a alma do grupo ao diabo… Mesmo assim, o seu empenhamento à época pareceu exagerado.  

Em coerência, porém, voltou a apoiar o homem com ‘raízes de aço’, pitoresco título que encimava o livro de Rui Rio, que então apresentou como «o retrato intimista» do biografado.

Perante este desfecho das ‘diretas’ no PSD, a primeira conclusão é que o calculismo, a par do amiguismo e do clientelismo, ensombram os partidos e comprometem a vitalidade da democracia.

Ao longo dos três debates dos candidatos, não se discutiram as prioridades para o país, prevalecendo os truques ‘no corpo a corpo’, para levar o adversário ao tapete. 

Teria de ser assim? O embate entre António Costa e António José Seguro não foi menos contundente. Seguro saiu do ‘ringue’ claramente vencedor, mas de nada lhe valeu perante o sarcasmo das vitórias «por poucochinho». Retirou-se de cena sem o merecer. E nem sequer reapareceu quando Costa perdeu nas legislativas por muito. Preferiu o silêncio e meteu ‘a viola no saco’.

O desaire de Pedro Santana Lopes é quase simétrico. Ganhou os debates – principalmente o primeiro -, mas perdeu a votos. Doravante, volta a andar por aí…

Foi pena que Maria Luís Albuquerque, Luís Montenegro ou Paulo Rangel, para não citar outros, tivessem preferido resguardar-se. 

Maria Luís mostrou fibra e solidez, deixando marca. Montenegro demonstrou agilidade e uma rara acutilância parlamentar. Rangel revelou-se um tribuno, exímio e culto. Qualquer um deles teria perfil para relançar o partido.

Infelizmente, o PSD teve de escolher entre dois atores que, por diferentes razões, nunca incomodariam António Costa. 

Em boa verdade, os social-democratas só conheceram até hoje duas lideranças fortes, com ímpeto reformista e uma agenda para o país: Francisco Sá Carneiro e Aníbal Cavaco Silva. Passos Coelho poderia ter sido o melhor herdeiro desse património, se não tivesse poupado Costa e consentido que lhe colassem a austeridade à pele.  

Que esperar agora do PSD, com a eleição de Rui Rio? É consensual que fez um bom lugar à frente do Município do Porto. Há quem lhe aponte, contudo, a falta de visão nacional e de ideias mobilizadoras.

Se o PSD se resignar a ser apenas a ‘muleta’ do PS e não convencer rapidamente o país de que é alternativa, ficará condenado ao definhamento e à irrelevância. E nessa altura de pouco servirá substituir Rio… Venha o diabo e escolha!