Supernanny: As crianças têm vergonha, os adultos não

Ainda não tinha ouvido falar da Supernanny até ser bombardeada com notícias e petições sobre este programa polémico. Preferia ter continuado na ignorância, mas já era tarde demais. Contrariada, porque não gosto de reality shows e ainda menos do choro e sofrimento de crianças, fui ver do que se tratava.

Não consegui ficar mais do que alguns minutos em frente da televisão e saí de lá com uma enorme dor de cabeça. O programa é grotesco. Neste episódio, numa casa onde vivem mãe e filha com uma relação demasiado embrenhada e sem limites, o foco é colocado na criança, que é o sintoma de uma família desorientada. São explorados, destacados e descontextualizados os seus comportamentos de maior desespero ou insubordinação. Muitas daquelas birras acontecem a qualquer criança, com a diferença que ficam entre quatro paredes e não têm o país inteiro a comentar. Os pais devem ser contentores dos comportamentos difíceis e das angústias dos filhos e não porem alguém em casa a assistir e filmar para quem quiser ver. São atitudes que causam vergonha à criança, que se pudesse escolher preferia não ter sido filmada no seu lado lunar que por esta hora já todos os amigos e inimigos da escola conhecem. E a vizinha do lado, os professores, a senhora da mercearia e todos aqueles com quem se cruzar na rua.

O programa é apresentado como sério e pedagógico, tendo o objetivo de ajudar famílias a impor disciplina a crianças rebeldes, para que em meia dúzia de dias fiquem todos muito felizes e bem-educados, como que por magia da ama, a quem só falta uma varinha de condão. Até seria uma boa ideia haver um apoio em contexto privado a famílias que andam às avessas com a educação e que cometem erros crassos. E até me parece, pelo pouco que vi, que na generalidade foram feitas boas observações. Contudo, ficamos logo desconfiados da seriedade do propósito quando assistimos a uma sucessão de fantochadas como uma senhora mascarada de perceptora rígida e impertinente, que dirige olhares críticos e ridículos para a câmara perante alguns comportamentos dos intervenientes; ou a efeitos sonoros que hiperbolizam cada palmada ou conduta desadequada. Em que é que ficamos? Afinal parece tratar-se de apenas mais um de tantos programas pouco dignificantes que passam na televisão e atraem a curiosidade de milhares de pessoas. Com a diferença que neste o chamariz é uma criança que é obrigada a expor a sua fragilidade e desespero ao mundo.

Tenho pena daquela mãe que em desespero acreditou e recorreu a este programa. Deve estar ainda mais desesperada agora que percebe a dimensão e riscos que tem.

É ainda difícil perceber como a apresentadora, com formação em psicologia clínica, pactua com este disparate.

Há qualquer coisa nesta série que me faz lembrar O Encantador de Cães. Com a diferença que aqui os cães não estão a ser encantados mas a cercar as vítimas e a lucrar com o infortúnio de famílias vulneráveis e em sofrimento. Apesar dos alertas, de que o programa poderá ser prejudicial para os participantes, a emissora não tem vergonha e continua a tentar convencer que está só a melhorar as relações das famílias portuguesas. Só falta saber quem irá assistir ao episódio de amanhã. Eu não, certamente.