Fizz. Em tribunal, Orlando Figueira aponta o dedo a Carlos Silva

Antigo procurador irritou o juiz ao dizer que a sua profissão é “preso” e voltou a tecer duras críticas à investigação do MP

O antigo procurador do Departamento Central da Investigação e Ação Penal (DCIAP) Orlando Figueira começou esta manhã a ser ouvido em julgamento no caso em que está acusado de ser corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola. E logo no início a sua posição causou alguma irritação ao juiz, sobretudo quando respondeu que a sua profissão é “preso”.

O juiz presidente do coletivo, Alfredo Costa, considerou que o arguido estava a brincar com o tribunal e insistiu na pergunta. Orlando justificou a sua resposta dizendo que não é advogado porque não tem dinheiro para pagar a inscrição na Ordem dos Advogados, nem procurador da República uma vez que está com licença sem vencimento, dizendo que, por isso, não é “nada”: “Estou há dois anos preso de forma injusta”.

Críticas duras à acusação

Figueira começou por fazer duras críticas à acusação e à forma como a investigação foi conduzida, depois passou a apresentar a sua versão dos factos seguindo a ordem da acusação. Um dos pontos a que mais se apegou é àquele em que se refere que o advogado do estado angolano, Paulo Blanco, circulava livremente pelo edifício do DCIAP.

Para o procurador, se isso alguma vez aconteceu, o problema era da segurança do edifício e não seu. Disse que até 5 de dezembro de 2011 sempre que aquele advogado interveio foi como mandatário do estado angolano, admitindo, no entanto, que mais tarde foi Blanco quem tratou de documentação relativa ao seu divórcio.

“Não conheço Manuel Vicente”

Quanto a Manuel Vicente, acusado de o corromper, foi prentório: “Não conheço Manuel Vicente, nem direta nem indiretamente”.

Orlando Figueira insistiu ainda que Cândida Almeida, antiga diretora do DCIAP, estava por dentro de tudo e que os seus despachos de arquivamento foram sempre sufragados pela superior hierárquica. Quanto ao processo a envolver Manuel Vicente, Orlando diz que quando Paulo Blanco lhe levou documentação para justificar rendimentos e que quando foi falar com Cândida Almeida, a mesma disse-lhe que o advogado do estado angolano também já tinha falado consigo. Ou seja, diz o procurador, mesmo antes de falar com a diretora do DCIAP, Cândida Almeida já estava a par das coisas.

Quanto ao facto de a acusação dizer que a procuradora Teresa Sanchez assinava os despachos com Orlando Figueira mas que tinha uma autonomia reduzida, o antigo procurador desmente e diz que isso não é verdade, até por se tratar de uma magistrada com 16 anos de profissão.

Carlos Silva no meio de tudo

A viagem a Angola em que conheceu vários políticos e empresários daquele país também foi desvalorizada pelo antigo procurador, dizendo que em 2010, na edição anterior da semana da legalidade, tinha viajado a Angola o antigo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, a então diretora do DCIAP Cândida Almeida e ainda a atual ministra da Justiça Francisca Van Dunem.

Orlando Figueira alega assim que também a de 2011 se tratou de uma viagem oficial e que o convite foi feito pelo PGR de Angola, João Maria de Sousa e não pelo advogado Paulo Blanco, como diz a acusação.

Quanto à sua saída do DCIAP, que aconteceu no ano seguinte, Orlando Figueira voltou a apontar o dedo a Carlos Silva, dizendo que foi este banqueiro angolano (presidente do Banco Privado do Atlântico e vice-presidente do Millenium BCP) a manifestar interesse no seu trabalho, tendo por duas vezes convidado para ir para Luanda. A primeira foi em Angola, dado o sucesso das conferências do procurador, a segunda em Lisboa.

Segundo disse em tribunal o seu interesse pelos convites surgiu porque estava a ultrapassar um momento difícil da sua vida, divorciando-se da mulher, e acabou por levar a sério os convites, conta, salientando não ser verdade que se andou a chorar dos cortes no vencimento dos magistrados em Angola: “Nenhum procurador ficou contente, mas não me andei a chorar”.

A surpresa do juiz e as lamentações de Orlando Figueira

Durante o seu depoimento, Orlando Figueira disse por mais de uma vez estar preso há mais de dois anos injustamente, tendo uma dessas vezes associado a uma alegada omissão do Ministério Público. O antigo magistrado foi advertido de imediato pelo juiz presidente do coletivo: “O senhor sabe que não é por isso”.

Durante a sessão o juiz Alfredo Costa ainda mostrou a sua estupefação perante todas as conversas e relações entre magistrados e partes de inquéritos em curso.

No que toca ao inquérito Portmill, cujo arquivamento está no meio de toda a alegada teia de corrupção, o antigo procurador diz que depois do seu arquivamento, a investigação “voltou a ser reaberta e a ser arquivada”.

Diz, por isso, não perceber o porquê de se dizer que beneficiou Manuel Vicente e insitiu perante o juiz o MP omitiu dados na investigação que tiram Carlos Silva de cena. Cita por exemplo o facto de ser referido a determinada altura na acusação que o presidente da Atlantico SGPS (grupo a que pertence o BPA) é Manuel Vicente e o vice presidente Carlos Silva, omitindo-se porém que é Carlos Silva que detém Global Pactum que, por sua vez, detém a Atlântico SGPS.

O que é a Operação Fizz?

O Ministério Público considera que Manuel Vicente, ex-vice-Presidente de Angola, pagou 760 mil euros ao antigo procurador português Orlando Figueira para que este arquivasse o inquérito conhecido como Portmill, que visava aquele ex-governante. 

A investigação concluiu que os crimes terão sido praticados com o auxílio de Armindo Pires, homem de confiança de Vicente, e de Paulo Amaral Blanco, advogado do Estado Angolano em vários processos.

Após a acusação os arguidos Paulo Blanco e Orlando Figueira já tinham garantido que a investigação passou ao lado dos reais beneficiários do alegado esquema, chegando mesmo a apontar o dedo ao banqueiro angolano Carlos Silva e ao advogado Daniel Proença de Carvalho.

Na chamada Operação Fizz estão em causa crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documento.