Fizz. Os documentos que desaparecem do DCIAP e os dados que foram escondidos dos jornalistas

Encontros entre procuradores e advogados das partes, desaparecimento de documentos do departamento de elite do MP e processos guardados em casa. No julgamento do caso Fizz, Orlando Figueira está também a pôr a nu algumas coisas que se passavam no antigo edifício da Alexandre Herculano

As palavras de Orlando Figueira têm contado muito do que acontecia dentro do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). O antigo magistrado tem revelado os encontros que tinha com o advogado Paulo Blanco, que representou em diversos inquéritos o Estado angolano, adiantando que o advogado também falava com a então diretora daquele departamento, Cândida Almeida. 

Na sessão de ontem, por exemplo, contou que dentro do edifício desapareciam papéis e havia violações de documentos selados, justificando assim o facto de ter devolvido toda a documentação comprovativa dos rendimentos do ex-vice-presidente angolano após arquivar o inquérito que corria contra si.

Em primeiro lugar, decidiu devolver a documentação para impedir que qualquer jornalista tivesse acesso aos mesmos.

 O antigo magistrado e arguido no caso Fizz refere que vê o direito à privacidade como algo “sagrado” e que os jornalistas quando vão consultar um despacho de arquivamento só querem saber dos rendimentos das pessoas, sobretudo quando há figuras importantes: “O que interessa aos jornalistas é quanto é que este ou aquele ganha”.

Após ser questionado pelo juiz Alfredo Costa sobre o porquê de não ter preferido selar a documentação, Orlando Figueira diz que a sua decisão também teve outros motivos. Afirmou que mesmo que decidisse selá-los (como se faz com documentos relativos às pessoas coletivas) havia riscos: “Podem desaparecer documentos, há violações. No DCIAP acontecem essas coisas”.

A resposta não convenceu, porém, os juízes que se mostraram surpreendidos com o facto de haver decisões que não ficam suportadas documentalmente. “Se eu remeto num despacho para um documento, como é que se sindicaliza o despacho proferido?”, questionou o juiz.

Sobre esse ponto Orlando Figueira defendeu que bastava a decisão de arquivamento ter sido tomada por um “magistrado impoluto”, como ele, e visto pela superior hierárquica: “Isso vale mais do que tudo”. Sobretudo, acrescentou, porque Cândida Almeida é “uma pessoa acima de qualquer suspeita e uma senhora com ‘s’ grande no Ministério Público”

Guardou processo em casa Mas se nas instalações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal não ficaram os documentos que serviram de base ao arquivamento de um dos inquéritos Portmill, por outro lado em casa de Orlando Figueira a investigação encontrou cópias de tudo.

Esse foi mais um detalhe que provocou alguma incompreensão aos juízes. No entanto, Orlando Figueira defendeu que não se trata de nada de mais. Disse o antigo magistrado que assim que decidiu abandonar o MP foram várias os colegas a sugerir que iria trabalhar para empresas ou bancos angolanos que estavam relacionados com inquéritos que tivera em mãos enquanto magistrado. 

Assim, e para ter a certeza de que no futuro pudesse provar que tudo o que fez foi correto, decidiu guardar para si essa documentação.

Alertou ainda que não foi só este processo que guardou num cofre e que com o passar do tempo o natural é que o mesmo fosse destruído.

Mais uma vez, questionado pelo juiz sobre o porquê de não consultar o processo oficial se necessitasse mais tarde, o antigo magistrado sugeriu perante o coletivo alguma falta de confiança na segurança do departamento a que pertenceu e que é o responsável por investigar a criminalidade económico-financeira mais complexa: “Confiar no processo eu confiava, mas e se desaparecia?”.