Casimiro de Brito. 80 anos a virar a lata dos afectos

O poeta e espantoso mestre de cerimónias das letras lusas fez 80 anos, e as datas redondas são para comemorar… certo? Eis a nossa comemoração: iéééééé!

Poeta, ficcionista e ensaísta, Casimiro de Brito nasceu no Algarve (Loulé, 1938), onde começou por se destacar como jovem poeta mas também pelo seu dinamismo, pela sua capacidade de aliar o sonho à acção. Foi, aliás, o principal responsável pela maioria das edições dadas à estampa na conhecida Tipografia Cácima, situada em Faro, e de cujos prelos saiu o primeiro livro de António Ramos Rosa, O Grito Claro (1958), inteiramente custeado por Casimiro de Brito, amigo de uma vida. Pouco depois, resultado da conjugação da vontade juvenil de um e da sabedoria do outro, surgem no mesmo ano os Cadernos do Meio-Dia, projecto do qual haveria de nascer o movimento ‘Poesia 61’. À dinâmica do autor de Pátria Sensível (romance, 1983), que à poesia de Ramos Rosa haveria de dedicar um significativo ensaio, se devem também colecções como «A Palavra» ou «Sílex», onde então publicaram nomes como Luiza Neto Jorge ou Fiama Hasse Pais Brandão.

Autor de uma poesia ‘contaminada’ pelo mundo e pela presença das coisas, fortemente enraizada na concretude e na sensorialidade, Casimiro de Brito fez a sua estreia em livro com Poemas da Solidão Imperfeita, entusiasticamente recebidos por João Gaspar Simões, que logo os considerou «extraordinários». Entre este primeiro volume e Eros Mínimo, medeiam os mais de 50 anos que separam as suas edições (1957 e 2015, respectivamente). Ao considerarmos o elenco completo dos seus livros, imediatamente se torna claro que o percurso literário de Casimiro de Brito configura um caudal de poesia que hoje se espraia por mais de quatro dezenas de títulos.

Ao apreendido Vietnam, em Nome da Liberdade (1967), cuja publicação o fez sentir na pele os rigores da acção do regime de Salazar, seguiram-se muitos outros livros, de que se poderá salientar, nos anos 80, Labyrinthus (1981, Prémio de Poesia da APE, reeditado em 2003) e, na década de 90, Intensidades (1995) e Opus Affettuoso (1997, Prémio de Poesia do P.E.N. Clube), para além dos mais recentemente publicados À sombra de Bashô (2001) e Amar a Vida Inteira, retirado a esse livro em expansão que é O Livro das Quedas, cujo 3.º volume é, nas palavras de João Barrento, «um dos mais intensos breviários do amor e da morte que se podem ler entre nós.»

Entre os vários prémios literários com que foi distinguido, conta-se o Prémio Internacional Versilia, de Viareggio, pela sua Ode & Ceia (1985), antologia que reúne os seus dez primeiros livros de poesia, o Prémio Europeu de Poesia Sibila Aleramo-Mario Luzi, pelo Libro delle Cadute, publicado em Itália, em 2004, quando tinha já sido galardoado, em 2002, pela Académie Mondiale de Poésie (da Fundação Martin Luther King) com o primeiro Prémio Internacional de Poesia Leopold Sédar Senghor, pela sua carreira literária.

Cidadão do mundo, multiplicado em fragmentos e viagens, Casimiro de Brito, traduzido em variadíssimas línguas, do espanhol ao japonês, é uma das vozes que logo associamos ao conhecido conjunto de «plaquetes», saído, sob capa comum, no início da década de 60, e que viria a constituir-se como marco de um dos importantes caminhos da poesia portuguesa do século XX. Surgida pela dinâmica do movimento ‘Poesia 61’, no âmbito do qual veio a lume o seu título Canto Adolescente, a poesia de Casimiro de Brito não se esgotou nos objectivos programáticos desse movimento renovador.

Intensa é a relação que o poeta estabelece com o feminino, e desde logo com a palavra (enquanto corpo fónico, erotizado). Dessa relação sobressai, como privilegiadamente se pode observar em Opus Affectuso, mas também, e mais recentemente, nesse longo poema de amor a duas vozes que é Amo Agora (com a cantora de tangos argentina Marina Cedro) a cumplicidade e a envolvência que entre eles se gera. Poeta e palavra enredam-se delicadamente, descobrem-se, num jogo de sedução que é também uma forma de cumplicidade, de partilha e de conhecimento.

Dividida entre a presença da musa, ou o seu «anjo bom» e o «anjo mau», através do qual se revela um apurado sentido crítico, uma apertada vigilância poética que conduz o autor a processos de cuidada revisão que pode envolver anos, a sua escrita vive muito das sabedorias orientais e das formas elípticas.

Se com a vida tem vindo a estabelecer um diálogo onde avultam as cores do júbilo, com a morte sempre manteve um trato íntimo. Títulos como Negação da Morte (1974), Contos da Morte Eufórica (1984) ou O Amor, a Morte e Outros Vícios (1999, antologia pessoal) são disso um óbvio sinal.

Livre das peias do banco que profissionalmente o ocupou durante 37 anos, Casimiro de Brito dedica-se agora ao trabalho exclusivo da sua obra, à escuta da respiração da palavra, prosseguindo, sem pressa, o desígnio de transformar o caos em canto.

Actualmente, é responsável pela colaboração portuguesa na revista internacional Serta e integra a direcção do Festival «Voix Vives» de Sète, bem como da World Haiku Association, sediada em Tóquio.