Assimetrias

Sabia-se que o ajustamento orçamental iria ser difícil em Portugal, mas esperava-se que não fosse explosivo.

O actual momento ilustra bem a assimetria entre aumentar ou baixar o défice público. Quando um governo toma medidas para aumentar o défice há uma certa indiferença agradada na sociedade.

Os grupos que beneficiam desse agravamento do défice consideram justas as novas despesas ou os desagravamentos fiscais. E aqueles que pagarão a dívida, que assim se acumula, podem não a sentir inicialmente. Se a dívida for de longo prazo podem ser menores ou ainda não terem nascido e, por isso, a sua voz nem sequer está representada nas instituições políticas. Porém, as medidas de redução do défice (por aumento de impostos ou cortes na despesa) correspondem sempre a agravamentos do rendimento disponível de actores da sociedade.

Num país com instituições políticas, relativamente, frágeis e com uma tradição democrática mais curta do que a de outros países ocidentais esta assimetria é particularmente penosa de observar. Os aumentos de despesa geram um debate entusiasmado. Deve-se gastar na saúde ou na educação? Em transporte ferroviário ou marítimo? Que grupos sociais deverão ser apoiados com programas adicionais?

Por outro lado, os debates sobre redução do défice são obviamente frustrantes e desagradáveis. Que impostos devem ser aumentados e para quanto? Quais os programas públicos que devem ser reduzidos ou eliminados?

Esta assimetria entre ganhos e perdas está amplamente estudada na psicologia. Kahneman e Tversky desenvolveram uma teoria (Prospect Theory) que deu um prémio Nobel ao primeiro (o segundo faleceu antes deste trabalho ser premiado). Esta teoria não pretende ser normativa, ou seja, dar orientação sobre a melhor forma de analisar problemas e tomar decisões, mas pretende ser positiva, isto é descrever o modo como os seres humanos formam preferências sobre alternativas.

Um dos aspectos chave da teoria é o conceito de ponto de referência a partir do qual as pessoas têm ganhos ou perdas. Em múltiplas experiências tem sido verificado que as pessoas reagem de forma muito mais negativo a perdas de certa dimensão do que a ganhos de dimensão equivalente.

Em muitas situações, no caso de perdas, as pessoas tendem a desvalorizar relativamente o custo de perdas muito grandes face a perdas menores (explicando a facilidade como jogadores viciados aceitam arriscar perder o seu dinheiro todo apenas para não virem para casa com uma perda relativamente pequena mas que lhes é psicologicamente difícil de aceitar). No debate político que se vive hoje em Portugal, o ponto de referência é obviamente o rendimento disponível de cada um em 2012.

Os próprios políticos também exibem aversão às perdas e são muito mais sensíveis a manifestações de desagrado do que à ausência delas. O sentimento de frustração, irritação ou mesmo indignação dos portugueses, em geral, com o acréscimo de medidas para reduzir o défice em 2013 é, por isso, plenamente compreensível.

As instituições políticas e sociais da nossa sociedade estão a ser, fortemente, testadas com o programa de ajustamento que está a ser implementado em Portugal. Os próximos anos dirão se são suficientemente resilientes e flexíveis para conseguir uma redução do défice orçamental numa escala nunca experimentada em democracia.

Há, de facto, uma forte assimetria na capacidade dos poderes públicos tomarem medidas para reduzir ou aumentar o défice público.

Professor, Católica Lisbon-School of Business & Economics