Gestor de conta abala acusação de homicídio de Rosalina

Michel Canals diz que não achou estranha a transferência de 5,2 milhões de euros da conta da viúva de Tomé Feteira para o seu advogado

O depoimento ontem feito por Michel Canals no julgamento em que Duarte Lima é acusado de recebido 5,2 milhões de euros que não declarou ao Fisco, põe em causa a acusação de homicídio de Rosalina Ribeiro que o Ministério Publico brasileiro tem pendente contra o ex-deputado.

Michel Canals foi, na Union de Banques Suisses (UBS), o gestor das contas bancárias de Duarte Lima e de Rosalina, antiga secretária e companheira do milionário português Tomé Feteira. Em 2001 transferiu em várias tranches um total de 5,2 milhões de euros da conta desta para Duarte Lima – que este não declarou ao Fisco em Portugal. No Brasil, Duarte Lima é acusado de ter matado Rosalina porque esta se apercebeu que se apoderara do dinheiro.

Ontem, perante os juízes, o antigo gestor de contas de Rosalina e Lima confirmou a versão que este sempre deu: os 5,2 milhões de euros eram honorários pelo trabalho como advogado de Rosalina. Mas Canals disse mais: “Tive conhecimento da transferência para Duarte Lima porque Rosalina ligou-me a dizer que iria fazer o pedido dessa mesma transferência. A razão que me apresentou é que Duarte Lima ia ser advogado dela”, afirmou o gestor da UBS, que veio da Suíça para depor neste processo.

Questionado sobre a razão por que sabia o motivo das transferências, Michel Canals explicou que se trata de um procedimento comum: “Todas as transferências acima dos 100 mil francos suíços [cerca de 85 mil euros] têm de ser justificadas”, disse, explicando que era o próprio que decidia se as justificações eram “plausíveis”, referindo que o facto de se tratar de uma elevada quantia “não causou estranheza”.

Canals disse que não se lembrava dos montantes que tinham sido transferidos para a conta do ex-deputado social-democrata, fazendo referência apenas a “uma ou duas” operações financeiras e ao facto de a autorização para a realização das transações ter sido dada por telefone. As ordens podem ser dadas por telefone e confirmadas por escrito”, afirmou.

Rosalina abriu uma conta em seu nome após a morte do companheiro, com quem tinha uma conta conjunta. Questionado pelo advogado de Olímpia Feteira, filha do milionário que estava em litígio com Rosalina por causa do dinheiro da família, sobre as condições desta conta conjunta e os beneficiários da mesma, Canals não conseguiu dar repostas concretas. O advogado de Olímpia Feteira, José António Barreiros, disse à saída do tribunal não ter ficado esclarecido. “Há documentos que faltam, há muita documentação que a Suíça não enviou”. Ao i, o advogado admitiu que este testemunho poderá influenciar o caso que decorre no Brasil, que diz respeito ao alegado envolvimento de Duarte Lima na morte de Rosalina Ribeiro: “Essa é uma questão que está em aberto”.

Onde estão os recibos? Em 2014, o semanário “SOL” falou com Normando Marques, advogado de Rosalina Ribeiro no Brasil, que negou ter passado uma procuração a Duarte Lima para representar a sua cliente em Portugal. Na altura, Normando Marques afirmou que Duarte Lima não tinha recibos que comprovassem qualquer atividade enquanto advogado de Rosalina Ribeiro: “Duarte Lima sempre me disse que não podia representar Rosalina Ribeiro pela sua condição de político. Sendo assim, ele recebeu cinco milhões de euros de honorários antes de se iniciar o processo. Ele não pode nunca alegar que são honorários daquele processo. Tanto mais que eu tenho os recibos dos meus honorários, tal como Valentim Rodrigues, e ele nem isso tem para apresentar. Ademais, não tenho conhecimento de que o Dr. Domingos tenha assinado qualquer peça, nesse ou em qualquer outro processo do interesse de Rosalina”.

O móbil do crime Segundo o Ministério Público (MP), estes 5,2 milhões de euros terão sido transferidos da conta de Rosalina Ribeiro na Suíça para a conta de Duarte Lima por forma a evitar que as suas contas fossem arrestadas. A investigação brasileira acredita que a antiga companheira de Feteira ameaçou Duarte Lima, dizendo que contaria tudo às autoridades – este foi, segundo os investigadores, o motivo por detrás do homicídio de Rosalina, em 2009.

Rosalina temia ficar sem o dinheiro devido às ações judiciais interpostas por Olímpia Feteira – terá sido nessa altura que Duarte Lima sugeriu passar provisoriamente o elevado montante para a sua conta, dinheiro que usou “de acordo com os seus interesses e necessidades”, defende o MP.

Michel Canals não surge neste processo apenas como gestor das contas de Rosalina e de Duarte Lima: o seu nome já tinha aparecido na investigação, mas, desta vez, relacionado com o crime de homicídio.

O gestor suíço era um dos sócios da Akoya Asset Management, uma sociedade financeira e de gestão de fortunas na Suíça. Esta sociedade fornecia aos seus clientes telemóveis registados na Suíça, por forma a proteger as suas atividades das autoridades portuguesas. Um desses telemóveis acabou por denunciar Duarte Lima: o advogado utilizou este telemóvel no trajeto para a povoação onde foi encontrado o corpo de Rosalina. Após a publicação de uma investigação do “SOL” sobre o uso deste e outros telemóveis para tentar baralhar as autoridades brasileiras, o advogado terá dado ordens a um dos elementos da rede de Canals para desativar o cartão.