Marcelo. O PR que foi sempre assim, extrovertido em excesso

O Presidente que sabe que se “expõe muito” e não recebeu as trabalhadoras da Triumph porque tinha ido ao médico, admite que “há momentos em que é preciso furar o balão”

Marcelo. O PR que foi sempre assim, extrovertido em excesso

Na escola secundária de Camarate, Marcelo dirige-se para a posição de professor, numa sala improvisada com um grafiti onde se lia a palavra “liberdade”. Os alunos, que não acreditavam que o Presidente ia mesmo à escola deles, recebem-no com um forte aplauso, tiram-lhe fotos, filmam o momento e comentam em êxtase: “Ele apertou-me a mão”.

Os estudantes mais velhos são surpreendidos pela imprevisibilidade a que o Presidente já nos habituou. A sua personalidade de “extrovertido em excesso” toma conta da sala e inverte o jogo. “Quais são os principais problemas de Portugal?”, “o que é que vocês podem fazer para mudar Portugal?”, questiona Marcelo. A primeira resposta veio de Ângela, que acredita que a falta de informação é um dos problemas mais importantes na sociedade. Bruno falou nos tempos de espera da saúde, Claide no desemprego, Edjoy na igualdade salarial e Micaela na desvalorização da arte e da cultura, sugerindo um projeto de humanismo como resposta. “Tu estás disponível para isso?”, desafiou Marcelo.

Quando a palavra foi dada aos estudantes, os temas voaram da forma como o Presidente gostaria de ser lembrado até ao novo programa da SIC, Supernanny. “Eu gostaria de ser lembrado por esta ordem: primeiro por ter sido um bom pai, um bom avô” – levando os estudantes a uma ovação – “em segundo por ser um bom professor. Depois, sendo caso disso, ter cumprido esta missão [de Presidente da República] o melhor que me é pedido”.

Sobre a Supernanny, o chefe de Estado acredita “que o Presidente não deve dizer a opinião sobre programas de TV”. “Vi, tenho a minha opinião sobre a matéria”. Mas falar disso “seria mau para o cargo”. Muitas das questões colocadas tinham a ver com o futuro e com o desemprego jovem. Marcelo recordou que foi “um privilegiado”. “Um dia disse: teve mais mérito outros chegarem às posições a que eu cheguei do que eu ter chegado porque partiram de uma base muito mais difícil”. O Presidente alertou os estudantes que, hoje em dia, com a cultura das startups, têm de estar preparados para se adaptarem à mudança e “não chega estudar, têm de estar atentos à vossa vida”: “Se querem mudar o mundo, organizem-se para mudar”.

A obra de Fernando Pessoa, Mensagem, inspirou Maura na pergunta que apresentou a Marcelo: “Crê que o nosso país poderá ser novamente grandioso e glorioso como na altura dos Descobrimentos?”. “Nós somos grandes e não é só no futebol”, respondeu o chefe de Estado utilizando Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, e António Guterres, secretário-geral das ONU como exemplos. “Ele é excecional”, acrescentou referindo-se a Guterres, “o melhor da minha geração”.
Também o afastamento entre a sociedade e a política motivou os jovens a fazerem várias perguntas, desde a razão por trás dos altos valores de abstenção até à fama de mentirosos que os políticos têm. “As pessoas sentem que os seus problemas do dia-a-dia não estão a ser acompanhados suficientemente por aqueles que têm responsabilidade política, às vezes é justo outras vezes é injusto”, respondeu Marcelo acrescentando que a política é lenta e “as leis são ainda mais lentas”. No entanto, a pressa pode ser uma solução errada quando se começa “a decidir no Twitter”, afirma ainda o Presidente.

A imagem de “políticos mentirosos” mostra, segundo Marcelo, “haver um desfasamento entre a realidade e a noção da realidade”. “Conheci ao longo da vida milhares de políticos”, entre autarcas e deputados, “diria que a maioria esmagadora que conheci não é mentiroso”.

O Marcelo dos abraços e dos beijinhos foi aproveitando cada momento entre perguntas para cumprimentar os alunos que estavam mais perto, o que levou à questão sobre o carisma e a empatia que cria com a população. “Alguns acham que é artificial. Erro. Fui sempre assim”, respondeu Marcelo, que não saiu da sala sem a tradicional selfie.
 
Manifestações à porta Marcelo chegou antes da hora combinada e aproveitou a oportunidade para falar com participantes nos dois protestos que decorriam à porta da escola secundária, um contra o encerramento dos CTT e outro sobre a fábrica da ex-Triumph.

O Presidente justificou às trabalhadoras o porquê de não as ter recebido pessoalmente quando se dirigiram, na segunda-feira, ao Palácio de Belém. “Eu fui operado. Ao fim de x dias tinha de fazer exames e por azar calhou nessa altura”, disse Marcelo.

Sobre a situação, o chefe de Estado partilhou a sua preocupação com as trabalhadoras, nomeadamente pelo “número de mulheres atingidas” que “mostra também a desigualdade”, uma vez que “no desemprego as mulheres são mais penalizadas”. Em relação ao convite que as trabalhadoras lhe tinham feito para ir à fábrica onde estão em vigília, o Presidente respondeu que já é “considerado protagonista a mais”, acrescentando que não quer interferir nas reuniões do governo.

Graça Silveira, de 48 anos e há 29 na fábrica, foi uma das trabalhadoras que recebeu algum consolo por parte do chefe de Estado. “Estou a lutar pelo futuro das nossas crianças”, disse ao Presidente, “porque hoje fecha a Triumph e amanhã fecha outra e as nossas crianças são obrigadas a imigrar”.

Na escola, Marcelo relembrou três momentos em que teve de “exercer a autoridade”: o problema com a Caixa Geral de Depósitos (CGD), os incêndios de 2017 e o recente veto à lei do financiamento dos partidos. Estas foram as três “situações excecionais” em que precisou de “exercer a autoridade”.

“São situações extremas, se virem bem, porque o Presidente, de facto, tem de ser muito cumpridor em relação aos seus poderes. Eu sou professor de direito constitucional. Mais: eu votei a Constituição, portanto, tenho a obrigação de conhecer bem a Constituição”, afirmou o Chefe de Estado.

Marcelo insistiu que é um Presidente extrovertido e afetivo, admitindo que se “expõe muito”, mas que isso não lhe retira “autoridade nos momentos cruciais”. “Não tira, nos momentos em que é preciso, e houve para aí três ou quatro, em que eu tive de ser, não direi menos afetivo – foi feito também com afeto, embora as pessoas achassem que não era visível o afeto naquele momento”, completou.

Ao sair da escola, Marcelo Rebelo de Sousa, voltou a falar das “situações extremas”: “Há momentos em que é preciso furar um balão e esse balão é haver, em geral, na sociedade portuguesa, uma sensação de desconforto ou de incompreensão perante determinada realidade importante”. Segundo o PR, isso não aconteceu muitas vezes. “Têm sido dois anos muito estáveis politicamente, muito estáveis económica e financeiramente, e mesmo em termos sociais”.