Centenas de advogados e solicitadores manifestaram-se em Lisboa

Em causa estão questões relacionadas com o novo regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores

Centenas de advogados de todo o país manifestaram-se esta sexta-feira nas ruas de Lisboa contra o sistema "contributivo injusto" em vigor na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e o "silêncio de todos os intervenientes", nomeadamente da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, da direção do CPAS e do ministério da Justiça.

Em causa estão questões relacionadas com o novo regulamento do sistema contributivo, como o aumento da contribuição para o CPAS na ordem das três dezenas de euros, o corte de 40% nas futuras pensões com a alteração das regras de cálculo e a falta de assistência em situações de doença. 

Os próprios advogados e solicitadores confessam que não têm o hábito de saírem às ruas para se manifestarem, mas que a situação a isso os obrigou. "Não temos por hábito sairmos à rua, mas andamos há cerca de dois anos a tentar chamar à atenção para a injustiça do sistema às entidadades envolvidas no assunto", diz Cristina Vilar dos Santos, advogada há quase 30 anos e uma das organizadoras do protesto. A organizadora ressalva ainda que não é "a primeira vez que os advogados saiem à rua como alguns media disseram. Para mim, é a quarta vez". 

Bruno Gonçalves

Descontos incomportáveis

Entre as várias questões que levaram os advogados a concentrarem-se à porta da sede do CPAS, no Largo de São Domingos, em Lisboa, a mais prioritária é  o "regulamento já exigir dos advogados uma contribuição que não corresponde ao rendimento que auferem", "incomportável para muitos" profissionais da classe. Esta dificuldade é espelhada no número de devedores, mas também por a CPAS já ter avançado com a cobrança de dívidas que ascendem aos milhares de euros nos tribunais. "Quando se fala em devedores, a maioria deles não paga por não conseguirem suportar esta contribuição, mas também há aqueles que não pagam por acharem completamente injusto terem de pagar dois sistemas [CPAS e Segurança Social]", explica Vilar dos Santos. 

Com este aumento das contribuições para o CPAS, as dívidas ao sistema poderão aumentar. "Ninguém conseguirá pagar quase 300 euros nos próximos anos", garante a co-organizadora. O valor das contribuições tenderá a aumentar nos próximos anos à medida que os cálculos forem atualizados com o aumento do salário mínimo e taxa de inflação, sendo que agora se situam no 5º escalão (243,60 euros mensais), onde a grande maioria dos advogados se encontra.

Também a assistência na saúde se assumiu como ponto de preocupação para os manifestantes. "É inadmissível que um advogado que tenha uma doença oncológica e que não possa trabalhar tenha de continuar a pagar as suas contribuições para o CPAS", denuncia Vilar dos Santos. "É contra isto que nós nos revoltamos", conclui.

A organização da manifestação preferiu não fazer prognósticos sobre o número de advogados e solicitadores a participarem no protesto, mas garantiu que não foram muitos mais por causa dos compromissos laborais. "Temos a sensação de que existe um sentimento generalizado de descontentamento da classe", garantiu. Ainda assim, o protesto atingiu as centenas de manifestantes, que esperam desta vez ter sido ouvidos. 

Alexandra Sapateiro, 36 anos e advogada desde 2012, decidiu participar por entender que é preciso defender os direitos que não estão a ser salvaguardados pela Ordem dos Advogados e pelo CPAS. O principal motivo da presença da advogada é precisamente a falta de assistência disponível pelo CPAS em caso de maternidade ou doença: "Somos obrigados a contribuir mensalmente com quantias elevadas e depois não temos de todo uma assistência a nível de direitos". 

Motivações semelhantes tem Ana Canelas, de 38 anos e advogada desde 2004. Veio de Aveiro para participar no protesto. "Uma Caixa de Previdência em que descontamos cada vez mais mas que nos dá muitos poucos direitos, nomedamente de saúde, é o que mais me indigna". Para a advogada, "a luta é comum" e espera que "seja o primeiro de muitos passos que se possam dar". 

Entre os advogados descontentes encontram-se também estagiários, grupo poucas vezes abordado. "Não se consegue perceber como é que se pode exigir aos estagiários, que não têm rendimento fixo e não são obrigados a receber um vencimento, que comecem a contribuir para o CPAS a partir do momento em que chegam à segunda fase do estágio", denuncia Sapateiro. Neste momento, os advogados estagiários são obrigados a pagar à Ordem o próprio estágio e a contribuir para o CPAS, sem terem qualquer benefício a curto prazo. 


Bruno Gonçalves

A maioria silenciosa

Depois de os advogados e solicitadores se terem reunido em frente à sede do CPAS e da Ordem dos Advogados, uma delegação entrou no edíficio para entregar as reivindicações ao Bastonário da Ordem, Guilherme Figueiredo. Ainda antes, pelas 12h30, a mesma delegação tinha reunido com membros da direção da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, também para lhes apresentar o caderno reivindicativo. 

Entretanto, o Largo de São Domingos tornou-se, à medida que as 15h se aproximavam, num mar de gente vestida de toga preta, o traje profissional dos advogados e magistrados e símbolo da classe profissional. Advogados de Braga, Guarda, Leiria, Porto, Portimão, Viseu, Tomar, Caldas da Rainha, Coimbra, Bragança, Santarém, Fafe chegavam em autocarros e em carros. Tornou-se díficil circular num largo em que até minutos antes se andava à vontade. As conversas de descontentamento faziam-se em grupos, por vezes até com piadas. "Cuidado colega, não caia, olhe que o CPAS não lhe paga", ouviu-se entre o mar de gente. 

Poucos minutos depois das 15h, os organizadores deram ordem de marcha em direção ao ministério da Justiça, onde o manifesto e o caderno reivindicativo viriam a ser entregues à chefe de gabinete da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem. Entre os pingos da chuva míuda e a força do vento, a manifestação foi avançando em silêncio – à imagem da famosa maioria silenciosa do general António Spínola no pós-25 de Abril. Uma atitude de protesto à resposta do presidente do CPAS, António Fausto, que disse que o descontentamento se limitava a "600 advogados num universo de 35 mil". Nas redes sociais, os profissionais chegaram até a criar hashtags para apoiarem os 600 advogados subscritores: "600otanas" e "100CpaSoucapaz". 

A manifestação, encabeçada pelos organizadores, avançava ora sim ora não com braços dados. "Nunca vi tantos advogados a manifestarem-se nas ruas nem tantos juntos", comentou uma pessoa que parou para ver o que estava a acontecer. Lojistas e clientes também vieram para as portas dos estabelecimentos para ver o motivo do corte das ruas. "Os advogados todos juntos a marcharem por uma causa justa", resumiu um advogado já na Rua do Ouro. Houve palmas de apoio, que depois se estenderam à restante manifestação.

Chegados ao Terreiro do Paço, os manifestantes ficaram por alguns minutos na estrada em frente ao ministério da Justiça para mostrarem a sua presença. Enquanto uma delegação entrava no edíficio, os restantes manifestantes aplaudiam e assobiavam em apoio. Aplausos e assobios começaram a fazer-se ouvir ainda a delegação estava no ministério. À saída, novas e revigoradas vagas de apoio. Em declarações aos jornalistas, José Miguel Marques, advogado e um dos co-organizadores, anunciou as conclusões do breve encontro: "Foi-nos dito que o ministério está a acompanhar a situação e que teremos uma reunião na próxima segunda-feira, 29 de janeiro, pelas 15h". O co-organizador anunciou ainda que a carta de exigência de demissão da direção do CPAS recolheu mais de 3300 assinaturas de beneficiários. 

Entre os agradecimentos à classe e as boas notícias, uma mensagem ficou bem patente: "A nossa luta não vai acabar aqui". Resta saber como continuará. E quais os seus resultados.