Caso Ponte de Sor. Testemunhas evitaram morte de Rúben Cavaco

Funcionários de limpeza da câmara e habitante de Ponte de Sor testemunharam agressões a Rúben Cavaco, acabando por socorrer o jovem. Ministério Público admite recorrer à Interpol para notificar filhos do ex-embaixador.

Os filhos do ex-embaixador iraquiano em Portugal – os gémeos Haider e Ridha Saad Ali – “agiram com o propósito de tirar a vida” a Rúben Cavaco. E só não conseguiram atingir o seu objetivo “por terem surgido no local pessoas que vieram em auxílio” do jovem de 17 anos, de Ponte de Sor.

Esta é uma das conclusões que constam da investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, que resultou em despacho de acusação do Ministério Público, a que o i teve acesso.

De acordo com o documento, enquanto os gémeos iraquianos agrediam Rúben Cavaco na rua, “houve uma testemunha que, ouvindo o barulho, veio à janela e gritou que parassem”. Nesta altura, o jovem já estava caído no chão e sem se mexer, “não aparentando qualquer reação”. 

Ainda assim, os filhos do ex-embaixador prosseguiram com os pontapés e murros, sobretudo na zona da face e da cabeça. 

Foi então que a testemunha “desceu as escadas para socorrer a vítima”, lê-se no despacho. 

Além desta testemunha que habita naquele local, chegaram ainda à Avenida da Liberdade – onde decorreram as agressões – trabalhadores da recolha do lixo que por ali passavam e que assistiram também aos pontapés e murros por parte dos jovens iraquianos. 

Dado que as agressões dos filhos do ex-embaixador continuaram, apesar dos vários pedidos do morador para que parassem, também os funcionários de limpeza da Câmara de Ponte de Sor foram “em auxilio da vítima” e chamaram a GNR e o INEM. 

Para os investigadores, foi o auxílio das testemunhas a Rúben Cavaco, a que se soma a assistência “pronta e adequada” do INEM, que acabou por salvar a vida ao jovem. 

Ajuda à interpol Os gémeos Haider e Ridha Saad Ali estão acusados pelo Ministério Público por tentativa de homicídio desde 18 de janeiro. 

No entanto, o Ministério Público desconhece o atual domicílio e país de paradeiro dos jovens, pelo que até à data foi impossível notificar, interrogar e constituir arguidos os gémeos iraquianos. Por isso, o Ministério Público vai tentar notificar os filhos do ex-embaixador – que também saiu de Portugal – através das autoridades iraquianas, sendo-lhes aplicada a medida de coação mais leve, o termo de identidade e residência. 

Caso a notificação não tenha sucesso, o Ministério Público vai recorrer à Interpol, tendo já pedido à Procuradoria-Geral da República a tradução da acusação. 

Os gémeos não dispõem de imunidade diplomática, o que não acontecia à data da agressão. E isso pode dificultar que alguma vez venham a ser julgados em tribunal, por um coletivo de juízes, pelo crime de que estão acusados.

Ainda assim, o i sabe que a mãe de Ruben Cavaco ficou satisfeita com a acusação porque veio demonstrar a brutalidade da agressão. 

O que aconteceu Os incidentes aconteceram numa terça-feira, 17 de agosto de 2016, à noite. Haider e Ridha chegaram ao bar Koppus, em Ponte de Sor, e após umas bebidas houve um desentendimento entre os gémeos e um grupo de jovens que estavam numa mesa ao lado. Já passava da meia-noite. Tudo porque – de acordo com a investigação – um dos iraquianos de 17 anos decidiu, a determinada altura, baixar as calças. Incomodados com o ato dos estrangeiros, o grupo de jovens portugueses – do qual fazia parte Rúben Cavaco – que estavam sentados na outra mesa reagiram com palavras duras e investiram.

De acordo com o documento a que o i teve acesso, a confusão terminou ali por ordem do dono do estabelecimento, que chamou a GNR ao local. Mas o desentendimento viria a ganhar força do lado de fora. Quando a patrulha da GNR chegou ao bar, não havia qualquer sinal de agressões mas, logo de seguida, a patrulha viu Haider e Ridha, que apresentavam alguns sinais de violência, sobretudo algumas escoriações na cara. 

No entanto, os filhos do ex-embaixador – que se deslocavam numa viatura Mercedes com matrícula diplomática – não formalizaram qualquer queixa de agressão. Os militares pediram que lhes fosse feito o teste do álcool para saberem se tinham ou não condições para conduzir. Ambos excediam a taxa de alcoolemia permitida por lei em Portugal e os elementos da GNR acabaram por levar os jovens a casa. 

Minutos depois, os gémeos voltaram a sair na viatura diplomática, tendo encontrado Rúben Cavaco, sozinho, a pé. De acordo com a investigação, os dois irmãos saíram do carro e imediatamente começaram a agredir “com violência” o jovem português, que acabou por perder os sentidos devido aos murros e pontapés na face e na cabeça. Rúben acabou por ser transportado para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde esteve em coma. 

A versão dos iraquianos Na altura, à SIC, os dois irmãos asseguraram que foram provocados e que não tinham intenção de ferir a vítima com tanta violência. Pediram até “sinceras e sentidas desculpas”, numa altura em que o jovem Rúben Cavaco continuava internado.

Mais tarde, o caso ganhou outros contornos: o Ministério dos Negócios Estrangeiros português pediu o levantamento de imunidade diplomática junto do Iraque e só em setembro é que obteve a resposta de que era prematuro decidir tal levantamento.

Em dezembro, Portugal voltou a insistir, mas tal pedido acabou por ser recusado porque o Iraque suscitou “questões jurídicas”. O embaixador foi substituído – o que acabou por retirar a imunidade diplomática aos gémeos – e o Iraque prometeu que ia averiguar toda a situação, mas o caso continuou a ser investigado em Portugal.

A família da vítima acabou por retirar a queixa que tinha apresentado por via de um acordo extrajudicial que teve como contrapartida uma indemnização de 40 mil euros por parte dos agressores (a que acresce o pagamento de 12 mil euros para despesas médicas) – ou seja, não havendo mais nada a reclamar em matéria civil, o que agora está em causa é apenas o processo-crime. Com Carlos Diogo Santos