Fizz. Orlando Figueira: “Sempre tentei separar a Justiça da Política. Os que hoje não se dão, amanhã são íntimos”

 

Fizz. Orlando Figueira: “Sempre tentei separar a Justiça da Política. Os que hoje não se dão, amanhã são íntimos”

A segunda semana de julgamento do caso Fizz começou com o antigo procurador Orlando Figueira a responder às questões do advogado de Manuel Vicente – ex-vice-presidente de Angola que neste processo está acusado de corromper o ex-magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Na sequência das acusações que Figueira e Paulo Blanco, advogado também arguido neste processo, têm feito a Carlos Silva, vice-presidente do Millenium BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico, na manhã de hoje o coletivo de juízes determinou que o banqueiro luso-angolano seja notificado em Portugal para que compareça presencialmente em julgamento.

Banco de Portugal exigente após Monte Branco

Na última quinta feira o advogado de Manuel Vicente colocou em evidência que na tese do MP os alegados benefícios foram concedidos por Orlando Figueira só após os pagamentos. O que o levou a questionar o antigo procurador sobre o sentido de ter sido, segundo o MP, subornado numa fase do processo em que ainda não poderia garantir que o mesmo era arquivado – é que depois da decisão de arquivamento o inquérito ainda tinha de ir à superior hierárquica para ver se concordava. Ou seja, Rui Patrício pretendia assim, com as respostas do antigo procurador, deixar claro que não fazia sentido que tivesse recebido um empréstimo a título de contrapartida (no valor de 130 mil euros) numa altura em que este ainda não sabia se o caso que tinha em mãos e que visava Manuel Vicente acabaria arquivado: “Ou o senhor doutor tinha algum poder sobre a doutora Cândida Almeida [então diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal]?”

Na sessão de hoje o advogado Rui Patrício insistiu com algumas questões sobre o facto de Orlando Figueira, já no compliance do BCP, ter concordado com a participação às autoridades de uma transferência suspeita de Armindo Pires e Manuel Vicente para Mirco Martins, enteado de Manuel Vicente. Algo que segundo a defesa de Orlando Figueira mostra que não pode ter sido corrompido pelo antigo vice-presidente angolano.

Segundo Orlando Figueira esse processo de participação tal como todos os outros foi levado a cabo com a maior normalidade possível até porque na altura “o Banco de Portugal por tudo o que tinha acontecido no caso Monte Branco andava muito em cima das entidades financeiras”: “Isso era passado a pente fino pelo Banco de Portugal.”

Orlando Figueira disse hoje em tribunal que estas individualidades e outras terão suscitado situações idênticas e que também nesses casos, ou seja, onde existem suspeitos de branqueamento ou financiamento ao terrorismo, o processo era encaminhada para a administração para depois seguir os seus trâmites.

“O que vale é que os papéis não mentem”

O antigo procurador disse ainda na instância do advogado Rui Patrício que tudo o que fez no banco, no departamento de compliance, está registado por escrito: “O que vale é que os papéis não mentem”. E explicou que o facto de no DCIAP ter concentrado muitos processos de Angola é porque a então diretora, Cândida Almeida, entendia que era importante que um magistrado reunisse o “grosso da informação”.

E por isso, justificou, que quando saiu do Ministério Público todos os processos foram distribuídos a um único colega, Paulo Gonçalves. A procuradora Teresa Sanchez ficou também a adjuvar esse procurador, tal como fazia com Figueira.

O arguido foi ainda questionado pelo advogado Rui Patrício sobre as notas que foram apreendidas nas buscas e que tinham diversas informações codificadas e que resultaram de um encontro com uma fonte no Centro Comercial Central Parque, em Linda-a-Velha, a 24 de Novembro de 2011.

Orlando Figueira quis esclarecer que em causa está um bloco de notas pessoal e que era normal que tivesse informações privilegiadas de vários colegas e órgãos de polícia criminal e que sentia necessidade de codificar a linguagem para que se alguém tivesse acesso ao seu caderno não entendesse o que lá estava escrito.

Insistiu não se recordar, porém, da correspondência de nomes de código como “Ricky Martin” e “loira” usados nessas suas notas pessoais e que estavam relacionadas com o inquérito à Mega Fraude ao tesouro angolano (processo 77/10), ou como escreveu nas anotações: o “Angola Gate”.

O advogado Rui Patrício frisou que não havia nenhuma referência em tais notas a Manuel Vicente nem a Armindo Pires (homem de confiança do primeiro) e perguntou ao arguido se podia ao menos garantir que “Ricky Martin” e a “loira” não eram nomes de código para esses dois elementos, ambos defendidos pelo advogado.

“Isto pode parecer uma piada, mas tenho de fazer esta pergunta: Não se recorda se Ricky Martin ou a loira era uma referência a Manuel Vicente ou Armindo Pires?”, perguntou Rui Patrício.

Orlando Figueira, mesmo afirmando não se lembrar quem eram, garantiu que não seria qualquer referência a ambos, uma vez que em causa estavam informações relativas à fraude ao tesouro angolano.

“Sempre tentei separar a Justiça da Política”

Reconhecendo que em determinados momentos havia a tentativa de em Angola se usar processos da Justiça portuguesa para fazer política e alimentar guerras entre fações que não se davam, Orlando Figueira garantiu que sempre tentou fugir a esses enredos.

“Sempre tentei separar a Justiça da Política”, afirma Orlando, concluindo: “Até porque os que hoje não se dão amanhã são íntimos”

Boas relações com Angola intermediadas por Blanco

O antigo magistrado admitiu que Paulo Blanco era a ponte com o PGR de Angola, mesmo em assuntos de trabalho que tinham de ser tratados de forma mais célere ou não tão oficial. Referiu que num determinado momento até terá pedido que Blanco pedisse informações privilegiadas de uma pessoa que estava foragida à justiça portuguesa em Angola. Isto porque era algo que “não fazia sentido fazer esse contacto de formalmente”.

O juiz Alfredo Costa interrompeu, porém, a descrição das boas relações entre as PGR dos dois países para frisar que existiram alguns problemas na atribuição dos vistos a Orlando Figueira quando este tratou da viagem a Luanda, no âmbito da semana da legalidade – algo que Orlando Figueira acabou por recordar e dizer que também aí foi necessária a intervenção de Paulo Blanco.

Reafirmou que a personalidade angolana que mais investigou enquanto procurador foi Álvaro Sobrinho.

Orlando Figueira e a ligação aos Vistos Gold

O arguido falou ainda hoje sobre o facto de ter sido advogado do arguido Eliseu Bumba, arguido angolano do chamado caso Vistos Gold.

Assegurou que ainda deu entrada da procuração no DCIAP na terça-feira anterior à sua detenção, sendo que tinha marcado uma reunião em Angola com o cliente e que essa viagem não tinha qualquer intuição de fuga.

Carlos Silva diz que versão de Orlando Figueira é fantasia

O banqueiro Carlos Silva reagiu esta manhã em comunicado às acusações de que tem sido alvo por parte de Orlando Figueira e Paulo Blanco afirmando que nada do que tem sido dito é verdade.

“Tenho lido pela comunicação social portuguesa passagens de afirmações do ex-procurador Orlando Figueira em Tribunal, em que me são imputados atos que não pratiquei”.

Segundo o vice-presidente do Millenium BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico, trata-se de uma tentativa “recente e oportunista de adulterar a realidade” e que, diz, “assenta em insinuações falsas”.

Carlos Silva lembra que foi “ouvido na fase de inquérito, na qualidade de testemunha e [teve] ocasião de responder a todas as questões formuladas pelo Ministério Público, com todo o detalhe e rigor, designadamente quanto às circunstâncias em que [conheceu] e em que [contactou] com o referido senhor”.

No comunicado adiantou que “não [teve] nenhum outro contacto, pessoal, telefónico ou por outra via com este senhor, nem muito menos lhe [fez] qualquer convite de trabalho”.

E fala até numa versão de fantasia: “O grau de fantasia dessa estória vai ao ponto de inventar um suposto encontro num hotel no centro de Luanda, no qual me descreve como envergando uma indumentária que, quem me conhece, sabe que jamais utilizaria num local deste tipo. Embora sejam evidentes os motivos que levam o ex-procurador a enveredar nesta fase por esta estratégia, não posso deixar, desde já, de vir publicamente repor a verdade”.

Orlando Figueira não reagiu a esta posição de Carlos Silva, nem à chegada ao tribunal nem à saída para o almoço.