30 de janeiro de 1956. Levaram-no ao futebol e só não cantaram Peixe Vivo ao presidente antes de o ser

Juscelino Kubitschek, presidente eleito do Brasil, veio a Lisboa. Não tendo um Fla-Flu para lhe oferecer, deram-lhe um Belenenses-FC Porto no Jamor. Saiu ao intervalo. Tinha pressa de voltar para poder receber a posse

30 de janeiro de 1956. Levaram-no ao futebol e só não cantaram Peixe Vivo ao presidente antes de o ser

Lisboa vestia-se de festa.

Como é bonita Lisboa em festa!

“Juscelino chegou como irmão. Entre sorrisos e palmas, entre os toques dos clarins e vivas, o presidente eleito do Brasil pousou os pés na terra dos antepassados, com os olhos húmidos de comoção e alegria – a mesma viva e fraternal alegria em que comungaram todos os portugueses ali presentes para o abraço atlântico…”

Não deixava de haver um toque de ironia neste presidente eleito no ano de 1956. No Brasil, os presidentes eram eleitos!

Juscelino Kubitschek de Oliveira foi o 21.o presidente do Brasil. Médico, militar, político.

Mas ainda não era oficialmente presidente. Faltava que tomasse posse.

Vinte anos após a sua visita à Lisboa engalanada de que aqui falo, o automóvel em que viajava, um Chevrolet Opala, colidiu com violência com uma carrinha carregada de gesso na Rodovia do Presidente Dutra. Juscelino morreu de imediato. O seu motorista também. No dia do seu funeral, o povo cantou em uníssono a música que o representava: “Peixe Vivo”. “Como poderei viver/ Como poderei viver/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua/ Sem a tua companhia”.

Brasília Juscelino foi o homem que semeou a Brasília que Oscar Niemeyer construiu.

Uma nova capital e um Brasil novo.

Não deixou, por isso, de se ver envolvido em vários casos de corrupção, mas o Brasil também é mesmo assim, e a política mistura-se vezes de mais com as fontes do dinheiro.

“Peixe Vivo”. Canção popular, infantil.

“Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria/ Como pode o peixe vivo/ Viver fora da água fria”.

Eram quentes as manhãs de finais de janeiro que recebiam Kubitschek em Lisboa.

“Juscelino Kubitschek de Oliveira, sobretudo negro sobre os trajos de cerimónia, chapéu alto na mão, ergueu o braço numa saudação familiar e amiga, o rosto esguio, moreno e nobre, a abrir–se num sorriso franco, de verdadeira alegria. Íamos jurar que inspirou o mais fundo ar da terra portuguesa, tal como outrora os nossos navegadores, beijando de alegria as Terras de Vera Cruz, respiraram o ar de odores ricos, na euforia da descoberta, nas praias românticas de um novo mundo onde se balançavam melancólicos os coqueiros…”

Portugal e Brasil; Brasil e Portugal

Irmãos, sim, mas também uma espécie de relação entre avô e neto, um ligeiro toque paternalista nas frases pomposas dos jornais que assistiam à chegada do presidente da República Brasileira a Lisboa.

Levaram-no à bola.

Nada como um brasileiro num campo de futebol, ou não é?

Pois, no Estádio Nacional, no Jamor, 60 mil pessoas puderam ver Juscelino.

“Impulsionada por um sentimento firme, espontâneo, a multidão ergue-se e ovaciona na pessoa sorridente do seu presidente eleito esse imenso Brasil afectuoso amigo de Portugal que ele representa. O dr. Kubitschek de Oliveira aproxima-se mais da alma do povo português. Sorri-lhe e agradece-lhe com uma saudação afectuosamente expressiva, os aplausos sinceros da multidão que grita, quase abafando os primeiros e últimos acordes de “Do Ipiranga as Margens Plácidas” e de “APortuguesa” transmitidos por altofalantes da Emissora Nacional.”

Ergueu-se quase instintivamente quando o seu compatriota, Jaburu, rematou de longe, com violência, à trave de José Pereira, o Pássaro Azul.

Não era possível oferecer-lhe um Flamengo-Fluminense no Jamor.

Foi presenteado com um Belenenses–FCPorto.

O FC Porto ganhou por 1-0.

Juscelino saiu ao intervalo.

Convenhamos: tinha mais que fazer.

Na semana seguinte tomaria posse.

Passaria a não ser apenas o presidente eleito. Com ironia…