Ex-governantes Conde Rodrigues e José Magalhães terão lesado o Estado em mais de 14 mil euros

A compra de livros e revistas que não reverteram a favor do Estado está no centro da acusação aos ex-governantes

Dois ex-secretários de Estado dos governos de José Sócrates estão acusados pelo Ministério Público do crime de peculato por terem alegadamente usado mais de 14 mil euros públicos para benefício pessoal, na compra de livros e de revistas, durante o exercício de funções. 

O MP reclama, por isso, uma indemnização aos dois ex-governantes que passa pela devolução da verba que terá sido usada em benefício pessoal, acrescida de juros de mora à taxa em vigor, de acordo com o despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa a que o i teve acesso.

Em causa estão despesas de José Conde Rodrigues, que entre 2005 e 2009 foi secretário de Estado Adjunto e da Justiça e, no segundo governo de Sócrates, secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna. Enquanto exerceu funções como governante, ao longo dos anos e repetidas vezes, Conde Rodrigues teve acesso a cinco cartões de crédito anuais – na tutela da Justiça, o plafond de cada cartão foi de quatro mil euros e o valor subiu para os sete mil euros anuais ao assumir funções no MAI, de acordo com a acusação. 

Terão sido estes cartões de crédito que Conde Rodrigues terá usado para efetuar o pagamento de 729 publicações (livros técnicos, romances e revistas, entre outros) com um custo total de 13 657,72 euros – livros que “não se enquadravam naquele âmbito funcional ou de serviço, quer pela sua temática quer pela sua natureza, nem reverteram a favor do Estado, mas sim do arguido”. Até porque, lê-se ainda no despacho de acusação, “cessado o seu mandato”, os livros “não se encontravam nos gabinetes do ministério”. 

Este é o valor reclamado pelo MP a Conde Rodrigues que, enquanto secretário de Estado Adjunto da Justiça, efetuou pagamentos num total de 58 356,07 euros em refeições, combustível, livros e revistas. “Este valor destaca-se dos demais supra referidos por ser claramente superior às utilizações dos cartões de crédito atribuídos aos outros membros do governo e chefes de gabinete”, lê-se no despacho de acusação, que resultou de um inquérito concluído a 5 de janeiro deste ano. 

A prática foi também seguida, em menor monta, pelo ex–secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária. José Magalhães terá usado um cartão de crédito anual – com um plafond de quatro mil euros – para pagar 25 publicações no valor de 421,74 euros. 

De acordo com o documento do DIAP de Lisboa, José Magalhães gastou 15 084,60 euros com o pagamento de refeições, estadias, material informático, livros e revistas – um valor que o MP considera que, excetuando os 421,74 euros, está justificado. 

Os investigadores lembram que as despesas pagas com os cartões estão inseridas no fundo de maneio de cada gabinete ministerial “e estavam associadas a contas bancárias sediadas na Caixa Geral de Depósitos”, lê-se no documento, que sublinha que o fundo de maneio se destina “à realização de despesas de pequeno montante”. 

Dúvidas sobre ex-chefe de gabinete da Saúde Além destes dois governantes, o MP vai passar a pente fino as despesas realizadas por João Manuel Gonçalves, atual adjunto da ministra da Presidência e da Reforma Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, enquanto exerceu funções como chefe de gabinete do secretário de Estado da Saúde, entre 2009 e 2011. De acordo com o despacho de acusação, o MP vai apreciar “de forma autónoma” as despesas de João Manuel Gonçalves durante esse período, para apurar se há indícios que possam resultar num inquérito. 

Queixa dos Juízes O inquérito teve início em 2012 com uma queixa-crime da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que, após análise às contas dos gabinetes daquele executivo, em funções entre 2009 e 2011, considerou haver indícios de uso indevido de dinheiro dos cofres públicos.

Em agosto do ano passado, o “SOL” avançou que já tinham sido constituídos arguidos. 

A queixa resultou de um desentendimento entre os juízes e o governo que, desde 2010, tinham vindo a negociar alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais. A intenção do executivo liderado por José Sócrates era tributar o subsídio de renda dos juízes.

Como resposta, os magistrados decidiram exigir, através da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), a todos os ministérios (17), incluindo o gabinete do primeiro-ministro, que lhe fosse enviada documentação relativa às despesas dos governantes pagas em representação, ou consideradas como ajudas de custo, durante o exercício de funções. Nessa altura, só o Ministério da Justiça, tutelado por Alberto Martins, e o Ministério da Agricultura, tutelado por António Serrano, forneceram informação. Conde Rodrigues e José Magalhães ficaram sujeitos ao termo de identidade e residência.

Com Joana Marques Alves