Caso Fizz. A confusão com as sociedades e a ironia da procuradora

Ontem, o arguido Paulo Blanco continuou a sua defesa, explicando porque não cobrou honorários ao ex-procurador Orlando Figueira nem ao banco para onde este ia trabalhar. A confusão com os nomes das sociedades visadas continua a marcar este julgamento

A sala está longe de ter a lotação esgotada dos primeiros dias. Menos jornalistas, menos fotógrafos, menos câmaras e menos “curiosos”. A atualidade frenética da justiça é uma parte significativa da justificação. Enquanto isso, o julgamento do caso Fizz continua, com Paulo Blanco a defender-se ponto por ponto da acusação. O advogado que representou em diversos inquéritos o Estado angolano e que é arguido neste caso ainda não passou do ponto 100, ou seja, ainda nem sequer chegou a um terço de tudo o que os investigadores listaram no despacho final.
Na manhã de ontem, Blanco explicou que ajudou o procurador Orlando Figueira, acusado de ser corrompido por Manuel Vicente, nos processos de divórcio e de pensão alimentar para o filho, bem como na realização da minuta do contrato de trabalho aquando da sua saída do MP para ir trabalhar com o banqueiro Carlos Silva.

As borlas de Blanco a Orlando Figueira

“O dr. Orlando Figueira, como a maioria dos magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), trabalham na área do crime no dia-a-dia, não dominam a área da família”, disse, explicando a necessidade de ter dado auxílio ao magistrado.

E adiantou: “Os honorários a Orlando Figueira não foram cobrados porque a minha sócia, que é minha mulher, dada a ligação que se estabeleceu em Angola com este procurador, entendeu que não se deveria cobrar.”

O advogado do Estado angolano afirmou ainda que na maioria dos casos apenas forneceu minutas ao procurador, não tendo tido qualquer trabalho: “O processo em que se justificava a cobrança [de honorários] era sobretudo a questão da pensão de alimentos ao filho maior. O dr. Orlando Figueira queria descontar os valores que estava a pagar ao filho no IRS, aqui era a única situação em que, pelo que fizemos, se justificava um pagamento.”

A ascendência galega e a relação com o dinheiro

Para esclarecer que sempre foi muito exigente com o pagamento de honorários durante toda a sua vida profissional, Paulo Blanco fez até referência à sua ascendência.

“Eu tenho ascendência galega, tenho uma relação de respeito, e os honorários, eu acho que é algo devido”, afirmou, lembrando que o caso de Orlando Figueira não foi único: “Mas em outras situações também não cobrei a amigos.”
Paulo Blanco assegurou ainda não ter cobrado nada ao banco com o qual se previa que Orlando Figueira fosse celebrar contrato – o Banco Privado Atlântico, de que Carlos Silva é presidente – porque havia um interesse do seu escritório em “conseguir o banco como cliente”. Orlando Figueira acabou, porém, por celebrar contrato com a sociedade Primagest e o procurador até já disse em tribunal não saber ao certo o porquê da alteração, mas garantiu que se tratava de uma sociedade ligada ao mesmo banqueiro e não a Manuel Vicente, como sugere a acusação.

Sonangol dava força a empresas

Segundo Paulo Blanco, o nome de Manuel Vicente surge ligado à Atlântico Europa, mas não porque o ex-vice-presidente de Angola fosse o cérebro por trás. Há uma explicação que tem a ver com o contexto das empresas angolanas, contou Blanco ao coletivo: “O nome de Manuel Vicente aparece para dar aparência de ligação à Sonangol sobretudo junto da banca. Porque, maioritariamente, é participada por Carlos Silva. O acionista maioritário nunca foi a Sonangol, nem Vicente, mas sim Carlos Silva.”

O arguido voltou ainda a sublinhar algumas ideias que já tinha defendido em sessões anteriores: a de que interagia com Armindo Pires, o outro arguido deste caso, como se estivesse a falar com Manuel Vicente; a de que o ex-vice-presidente de Angola não tem nada a ver com a contratação de Orlando Figueira; a de que nunca pediu nada ao antigo procurador do DCIAP em troca da sua contratação; e que existem duas sociedades Portmill e não uma, como diz o MP, defendendo que essa alegada confusão é que traz Manuel Vicente para o centro de todo este caso.

A ironia da procuradora Leonor Machado

Durante a parte da manhã do julgamento, a defesa de Manuel Vicente questionou o coletivo (enquanto Blanco apresentava a sua defesa) sobre qual a ligação entre a Rosecity e Manuel Vicente, algo que tirou do sério a procuradora Leonor Machado. A magistrada citou emails internos do BCP onde se refere que Vicente é o principal beneficiário da mesma e, de seguida, ironizou: “Ou também havia duas Rosecity?” 

“Isto é que é um caso em que os documentos falam por si”, reforçou Leonor Machado.

O caso gerou alguma tensão, com o advogado Rui Patrício, que representa Manuel Vicente e Armindo Pires, a dizer que de facto existem mesmo duas diferentes, e aproveitou para aligeirar o clima com uma brincadeira: “É que eu também não gosto quando me confundem com o guarda-redes do Sporting.”