Regicídio. Tão herói é quem morre como quem mata

Em comum têm apenas o dia e, na base, o regicídio. Monárquicos e republicanos agendaram para hoje momentos de homenagem tanto ao rei D. Carlos como aos revolucionários Buíça e Costa

O dia que traz na memória a morte do rei D. Carlos e do seu filho herdeiro continua a ser comemorado, mesmo 110 anos depois do 1 de fevereiro de 1908. Hoje, tanto para monárquicos como para republicanos, é um dia de homenagem,  por razões opostas.

A primeira iniciativa realiza-se às 12h no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, e é organizada pela Associação Promotora do Livre Pensamento. “Iremos à campa do [Manuel] Buíça e do [Alfredo] Costa”, os regicidas, “para homenagear dois cidadãos que fizeram uma ação contra a ditadura de João Franco, que na altura existia ”, explica Joffre Justino, presidente da associação.

Assumidamente republicano, o presidente da APLP acredita que o assassinato foi “um acelerar das circunstâncias que permitiu o surgimento da primeira República. É nessa perspetiva que nós vamos homenagear precisamente estes dois cidadãos republicanos”.

Para além da cerimónia, a APLP organizou também um jantar-debate com os historiadores Luís Vaz, fundador da associação, e Zaluar Basílio.

Do lado dos monárquicos, a cerimónia está marcada para as 19h, na igreja de São Vicente de Fora, para a missa de sufrágio que conta com a presença de D. Duarte, duque de Bragança, e do filho Dinis. Depois, “faz-se uma romagem ao panteão real, é depositada uma coroa de flores, feita uma oração e são dados os cumprimentos à família real”, explica João Távora, presidente da Real Associação de Lisboa.

“A intenção é relembrar estes dois heróis que caíram pela pátria, pai e filho, o rei D. Carlos e o príncipe Luís Filipe. E, obviamente, há ilações políticas que decorrem disso”, acrescenta, lembrando ser “uma página muito triste que nós não queremos esquecer”.

“É um direito em democracia as pessoas errarem”, afirma Joffre Justino. “E sendo um direito das pessoas errarem, é um direito dos cidadãos que se dizem monárquicos continuarem a cometer o mesmo erro sistematicamente”, acrescenta, considerando “gravíssimo”. “Era mais interessante se eles estivessem a apoiar as iniciativas liberais dos monárquicos”, continua Justino, “do que estarem a apoiar um rei que morre num contexto de ditadura que ele impõe”.

Távora acredita que “há liberdade para tudo, inclusive para as pessoas dizerem as maiores barbaridades e apoiarem esses atos criminosos”, referindo-se ao assassinato do rei. “Eu acho absolutamente lamentável que num país civilizado se defenda esta forma de luta política, como é o assassinato. Nós temos o estado islâmico que usa esta forma de guerreiros suicidas que pretendem, a partir da violência, alterar o estado das coisas. Nós achamos que isso não é uma forma meritória de estar na luta política e que não são propriamente heróis”, conclui.

Histórias da História

Se optam por homenagear lados diferentes, Justino e Távora nem nas versões da História que levaram ao regicídio se entendem. O monárquico defende que existia liberdade e uma democracia funcional, com uma Constituição, enquanto o republicano garante que o rei D. Carlos e João Franco tinham encerrado o parlamento e instaurado uma ditadura.

Segundo o Justino, não fazia parte do plano inicial matar o rei, mas sim João Franco, o então primeiro-ministro. “O que aconteceu foi uma circunstância inesperada porque em vez de aparecer o ditador João Franco, Buíça e Costa – e mais outros cidadãos – terão participado num tiroteio que deu origem à morte do rei D. Carlos de Bragança e do seu filho Luís Filipe”, explica Justino que aponta a prisão de Afonso Costa, um dos líderes mais importantes dos republicanos, a 28 de janeiro, como o acontecimento que desencadeou a revolução.

“Convém realçar que estamos perante uma circunstância não democrática, mas de ditadura”, acrescenta Justino. “Numa fase anterior havia um regime democrático – monárquico mas democrático – em Portugal, o rei D. Carlos, mais João Franco optaram por impor uma ditadura, encerrar o parlamento”, justifica.

O presidente da APLP refere ainda os rumores que afirmam que a própria rainha estaria envolvida no atentado contra João Franco. “Há quem diga – e está escrito por vários historiadores – que a própria rainha estava envolvida neste processo de fazer desaparecer o ditador”, explica. “Dizem as más línguas, que a rainha estava interessada em derrubar o rei D. Carlos para colocar em seu lugar o seu filho Luís Filipe. Esta é uma das muitíssimas versões que existem desta história, mas é uma versão que tem algum cimento”, reforça.

“Mata-se a sangue frio um rei liberal num país com carta constitucional, com eleições, e o seu filho mais velho”, reivindica Távora que acredita que o acontecimento foi um escândalo para toda a Europa e que “qualquer espírito minimamente liberal e democrata considera que [o regicídio] foi uma barbaridade”.

Para o presidente da Real Associação de Lisboa é preciso “puxar por factos” de forma a desmitificar os acontecimentos, numa conclusão que para ele é certa: “Os países europeus que têm monarquias refletem uma estabilidade social e política que faz deles uns países extremamente evoluídos. Ou seja, se nós tivéssemos hoje em dia uma monarquia era sinal de que tínhamos tido uma estabilidade política e social que não tinha gerado os golpes e cortes abruptos, a violência e a radicalização de um discurso político que nos levou a vários acidentes, entre os quais I República e o Estado Novo”.