A semana em que a Justiça tremeu por dentro

Meses de investigação levaram à realização de mais de 30 buscas e à constituição de 13 arguidos. O juiz desembargador Rui Rangel está no centro do caso.

A semana em que a Justiça tremeu por dentro

Rui Rangel e a ex-mulher, Fátima Galante, foram vigiados pelas autoridades durante vários meses – dezenas de conversas telefónicas foram escutadas, as suas contas bancárias foram analisadas e os seus passos eram seguidos por inspetores da Polícia Judiciária (PJ) encobertos. Depois de terem sido recolhidos indícios suficientes de que estaria montado um esquema de troca de favores e recebimento de contrapartidas pelos mesmos, os investigadores decidiram entrar em ação. Começaram assim a surgir as primeiras notícias sobre a Operação Lex.

Na terça-feira, arrancou uma operação a nível nacional para confirmar a eventual prática de crimes por parte de Rangel e outras pessoas da sua esfera. De acordo com o comunicado da PJ emitido naquele dia, «foram realizadas trinta e três buscas, sendo vinte domiciliárias, três a escritórios de advogados, sete a empresas e três a postos de trabalho» com recurso a cerca de 150 inspetores da Judiciária e vários procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, coordenados pelo juiz conselheiro José Souto Moura (ver caixa ao lado). A casa de Rui Rangel foi um dos locais investigados, bem como a habitação do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e as instalações do clube.

Como resultado das diligências realizadas, foram apreendidos 10 mil euros em notas de 500 euros. Segundo o jornal Público, o dinheiro estava escondido na arrecadação do apartamento de Rui Rangel. Em casa de Octávio Correia, homem que o Ministério Público suspeita que escondesse património do juiz desembargador, foi encontrada uma quantia significativa de dinheiro e quadros de elevado valor, refere o mesmo jornal. 

Para já, foram constituídos 13 arguidos: entre eles estão Rangel e a sua ex-mulher, duas outras antigas companheiras do magistrado, Bruna Amaral e Rita Figueira, o pai desta última, Albertino Figueira, o oficial de Justiça do tribunal da Relação, Octávio Correia, os advogados Jorge Barroso e Santos Martins, o filho deste último, o antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, João Rodrigues, os dirigentes do Benfica Luís Filipe Vieira e Fernando Tavares, vice-presidente do clube, e Nuno Proença, pessoa próxima da família de Rita Figueira e suspeito de ser um dos testas-de-ferro de Rangel.

Destes 13 arguidos, apenas cinco foram detidos : «Quatro homens e uma mulher [Rita Figueira], sendo dois advogados e um terceiro oficial de justiça», revelou a PJ na altura. Os cinco detidos foram os primeiros a serem ouvidos – os interrogatórios terminaram ontem, com a antiga companheira de Rangel e o advogado Santos Martins a serem ouvidos no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.

Suspeitas de vários crimes

De acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) emitido na quinta-feira, por detrás desta investigação estão «suspeitas de crimes de tráfico de influência, de corrupção/recebimento indevido de vantagem, de branqueamento e de fraude fiscal». Rui Rangel seria o ‘centro’ destas operações, recebendo contrapartidas em troca de favores jurídicos (ver páginas 10 e 11).

Apesar de ser a figura central desta operação, Rui Rangel continuou a fazer a sua vida normal, tanto a nível pessoal como profissional. Isto porque, tal como a sua ex-mulher, Rangel, enquanto juiz desembargador, não pôde ser detido devido às normas dos estatutos dos magistrados judiciais, que impedem a detenção de um juiz a não ser que seja apanhado em flagrante delito. Um magistrado visado numa investigação deve ser logo presente a um juiz de instrução para ser ouvido, só podendo ficar em prisão preventiva caso esteja já agendada a data do julgamento.

Rangel e Fátima Galante continuavam a assumir funções no Tribunal da Relação de Lisboa. No entanto, o Conselho Superior de Magistratura decidiu ontem suspender preventivamente os dois juízes. De acordo com o órgão de disciplina dos juízes, indicia-se «uma muito grave, dolosa e reiterada violação dos deveres profissionais» incompatível com «a credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao respetivo exercício funcional». O SOL sabe que foi aberto um inquérito a Fátima Galante no âmbito desta suspensão que pode vir a resultar num processo disciplinar.

Rangel e Fátima Galante só serão ouvidos no Supremo Tribunal de Justiça a 8 e 9 de fevereiro. 

As reações

Rui Rangel ainda não reagiu publicamente às notícias que dão conta do seu envolvimento neste alegado esquema. No entanto, outras figuras centrais deste caso já emitiram comunicados, explicando que irão colaborar com as autoridades e que não têm nada a esconder.

O primeiro comunicado a sair foi do Benfica, que não é visado nesta operação mas que vê os seus principais dirigentes associados a este processo judicial. No dia das buscas, o clube confirmou a realização de diligências nas suas instalações, mas negou qualquer envolvimento no caso: «O Sport Lisboa e Benfica confirma a realização de buscas no âmbito de uma investigação que não tem por objeto o Clube e que se encontra em segredo de justiça. Nada tendo a ver o âmbito do processo com o Sport Lisboa e Benfica, são totalmente especulativas todas as interpretações que envolvam o nome desta instituição».

Na quinta-feira, Fernando Esteves, vice-presidente do clube, usou a sua página no Facebook para deixar uma mensagem de tranquilidade aos seus amigos e seguidores. O dirigente desportivo explicou que está disponível para «fornecer toda a informação necessária a um cabal esclarecimento de toda a situação, estando disponível para uma colaboração futura, como é meu dever, que ajude ao apuramento da verdade». Tavares disse ainda estar «de consciência tranquila», frisando que a sua vida pessoal e profissional foi pautada «pelo trabalho, pela honestidade, pelo rigor, pela seriedade, pela transparência e pela dedicação abnegada aos muitos projetos» em que participou.

Ontem, foi a vez de Luís Filipe Vieira se pronunciar sobre a Operação Lex, dizendo que, tal como o seu adjunto, também está de «consciência tranquila», defendendo que não praticou «qualquer ilícito» que lhe «possa ser imputado». «Nunca, ao longo dos meus sucessivos mandatos como dirigente e Presidente do SLB, confundi ou misturei a minha vida pessoal e profissional com a instituição Sport Lisboa e Benfica», refere a nota divulgada no site do clube.

Luís Filipe Vieira acrescentou ainda que exige «a pronta reposição e esclarecimento da verdade», dizendo que nada teme, pois está «seguro» da sua conduta em todos os aspetos da sua vida pessoal e profissional.

Recorde-se que, logo no dia em que foram realizadas as buscas, João Correia, advogado do Benfica, disse que Vieira «ainda não era arguido», posição que voltou a assumir na quinta-feira, mesmo depois de a PGR confirmar, através de uma nota à comunicação social, que o presidente dos ‘encarnados’ era um dos arguidos: «O que não está no processo não existe e no processo [Luís Filipe Vieira] não foi constituído arguido. Quando for constituído arguido, não há drama nenhum».

Com Ana Petronilho