Irão. O perfume das especiarias entonteceu escoceses bêbados

Foi já há quase quarenta anos que o Irão se estreou numa fase final de um Campeonato do Mundo, na Argentina. E conseguiu um resultado surpresa no meio de duas derrotas naturais com a Holanda e o Peru

TEERÃO – E, de repente, passaram-se quarenta anos! Bem, mais precisamente quase quarenta anos, para não entrarmos aqui nos pormenores irritantes da aritmética. Argentina – 1978; Rússia – 2018. O Irão estará na fase final deste Campeonato do Mundo comemorando os quarenta anos da sua primeira vez.

Para quem ainda se lembra, foi um Mundial polémico. Meteu aquela vitória dos argentinos de 6-0 contra o Peru, que os conduziu à final à custa dos brasileiros que nunca perdoaram a façanha e fizeram notar que o guarda-redes peruano (Quiroga) tinha, na verdade, nascido na Argentina, e sobretudo jogou-se sob a ditadura do Processo de Reorganização Nacional do Presidente e general Videla que, dois anos antes, afastara Juan Perón do cargo, o que terá levado a fazer correr o boato de que Cruyff, o grande jogador mundial da altura, se recusara a participar na prova por motivos políticos, algo que ele desmentiu muitos anos mais tarde.

Há quem ainda se lembre e há quem não se esqueça.

Ou melhor, aqui no Irão até se esquece, mesmo sendo quase indecente que não se promova uma festa que recorde esse momento histórico do Tem-Melli, como chamam à sua selecção.

Nomes que não dirão muito aos portugueses, ficaram indeléveis: Ali Parvin, o capitão, os avançados Nouraei e Faraki, os médios Ghasempour, Nayebagha e Roshan, os defesas Eskandrian e Behtash e Behtassa Fariba, dirigidos pelo técnico Heshmat Mohajerani, tido como o grande responsável pela revolução do futebol iraniano nos anos-70, e que conduziu o Irão ao título de campeão da Ásia em 1976 e aos quartos-de-final dos Jogos Olímpicos desse mesmo ano.

Depois de uma qualificação impecável, o Irão caiu no Grupo D da fase final juntamente com a Holanda (vice-campeã do mundo em 1974, que chegaria outra vez à final em Buenos Aires), Escócia e Peru. Recorde-se que nas fases finais de 1974, 1978 e 1982 se recorria a duas fases de grupos – na primeira apuravam-se os dois primeiros de cada grupo, na segunda os primeiros disputavam a final e os segundos o terceiro e quarto lugares.

Surpresa. Foi com naturalidade, convenhamos, que os iranianos quebraram no jogo inicial, frente à Laranja Mecânica de Resenbrink que esteve endiabrado e fez um hat-trick no Estádio de Mendoza. O guarda-redes Hejazi ainda conseguiu manter a baliza imaculada até aos 40 minutos. Depois, os manos Van de Kerkhoff e Johann Neskeens ajudaram o avançado que alinhava pelo Anderlecht, da Bélgica, a marcar mais dois, aos 62 minutos e aos 80, este outra vez de grande penalidade.

Claro que o resultado não deixou de ser pesado e deixava os iranianos em má situação, ainda que na primeira jornada também os escoceses, que tinham uma selecção carregada de jogadores de enorme categoria, com gente da classe de Kenny Dalglish, Lou Macari, Joe Jordan e ponta-esquerda Johnston (que foi expulso da competição por ter falhado um controlo anti-doping) mas com problemas graves de disciplina agravados por excessos alcoólicos, tivessem perdido claramente com o Peru por 1-3.

O jogo que se seguiu teve algo de irónico.

Os grandes bebedores de whisky defrontavam, em Córdoba, uma equipa de homens proibidos pela sua religião de tocar em bebidas alcoólicas.

Quando Eskandrian cometeu o erro de marcar um golo na própria baliza logo no primeiro minuto, ficou no ar a sensação de que tudo ficaria facilmente resolvido para o Drink Team dos moços dos kilts.

Não foi assim.

O futebol praticado pelos iranianos tinha um perfume técnico próprio das especiarias que o mundo inteiro tanto lhes invejava.

E os britânicos, entontecidos pelas libações do álcool, também se deixaram embebedar pelo jogo rendilhado dos seus surpreendentes adversários. Aos 60 minutos, Denaifar, de nome completo Iraj Denaifar, nascido em Teerão no dia 11 de Março de 1955, médio de ataque do Esteghlal, ficou para sempre na história do futebol do seu país apontando o primeiro golo do Irão na fase final de um Campeonato do Mundo e garantindo um empate com muito de surpreendente.

Entretanto, Holanda e Peru ficavam-se pelo zero a zero.

De novo em Córdoba, no Estádio Chateau Carreras, contra o Peru do grande Teófilo Cubillas, que passou pelo FC Porto, as coisas tornaram-se dolorosas.

A radical estatística da Federação Iraniana aponta o segundo 111 como o do golo de Velazquez.

Como disse no início, não entremos em pormenores exagerados.

Vamos directos ao resultado final: Peru, 4 – Irão, 1.

Os iranianos viajaram para a América do Sul com a alma cheia mas com o saco das expectivas apenas a meio. Sairiam da Argentina com a real naturalidade com que o futebol trata os seus filhos menores, mas sem razão para vergonha ou para tristeza.

Córdoba fora-lhes uma cidade amarga: um hat-trick de Resenbrink (dois penaltis) seguido de um hat-trick de Cubillas (dois penaltis). Um bocado repetitivo. O golo de Roshan, aos 41 minutos, ainda levava para o intervalo um 1-3 razoável. Mas não deu para mais.

O Irão regressaria a um Mundial vinte anos mais tarde, em França, onde disputou um jogo também histórico contra os Estados Unidos. Voltaria em 2006 (defrontou Portugal, em Frankfurt, na fase de grupos perdendo por 0-2) e em 2014, no Brasil, já com Carlos Queiroz ao comando.

Agora vai para a sua quinta participação.

E Portugal aparece-lhe outra vez pela frente. Será em Saransk, no dia 25 de Junho, na Arena Mordóvia.

Já não falta muito.