Digressões. O último encore de mão cheia

As últimas estações foram letais para os heróis musicais do Séc. XX. Lou Reed, David Bowie, Prince, Leonard Cohen, George Michael, Tom Petty, Chris Cornell, Fats Domino, Chuck Berry, Lemmy Kilmister, B.B. King, Joe Cocker e Bobby Womack, só para citar os mais sonantes. 2018 começa com um quinteto a sair de cena

O que une uma mão cheia de nomes tão improvável como Paul Simon, Elton John, Neil Diamond, os Slayer e os Lynyrd Skynyrd? Percursos muito diversos, estilos muito distintos mas um mesmo fim. O adeus por vontade própria anunciado enquanto 2018 ainda esfrega os olhos. Uns partem, deixando uma herança coletiva e imensurável – estes cinco dão-se pelo menos a oportunidade de um último aceno. Em palco, à exceção de Neil Diamond travado pela saúde.

O escritor de canções que Rick Rubin tentou resgatar da decadência, como já fora capaz com Johnny Cash, sofre da Doença de Parkinson. A 24 de janeiro, anunciou “com grande relutância e deceção” a retirada dos palcos, deixando um pedido de desculpas “a todos os que compraram bilhetes ou planeavam ir aos próximos concertos”. Diamond promete continuar ativo, “composição e em estúdio durante muito tempo” mas começa já a fazer uma retrospetiva. “Foi uma caminhada so good, so good, so good (o refrão do êxito maior “Sweet Carolina”), graças a todos”, recorda.

E antes do adeus. Há outro traço de comum entre o quarteto da partida. Até ver, nenhuma das digressões passa por Portugal. Paul Simon escreveu esta segunda-feira uma carta aberta a explicar os motivos da decisão. “Tristemente, perdemos o nosso guitarrista principal e meu amigo de há 30 anos, Vincent N’guini, que morreu dezembro passado. A sua perda não é a única razão para eu parar de fazer digressões, mas contribuiu. Acima de tudo, porém, sinto que as viagens e o tempo sem a minha mulher e a minha família exigem um sacrifício que me retira o prazer de tocar. Gostava de deixar um grande Obrigado a todos aqueles que à volta do mundo vieram ver-me tocar ao longo dos últimos 50 anos”, resumiu.

Há 29 oportunidades para ver o pequeno gigante uma última vez. Vinte nos EUA e nove na Europa. O mais próximo de Portugal é mesmo o Hyde Park, em Londres, a 15 de julho. Paul Simon apenas deu um concerto em Portugal, na era dos concertos do estádio de Alvalade – verão de 1991 – ainda sob os efeitos de “Graceland” (1986), o álbum de “You Can Call Me Al” e “Diamonds on the Soles of Her Shoes”, crucial na relação entre o pop/rock anglo-saxónico e África – e do sucessor de apetite sul-americano “The Rhythm of the Saints” (1990).

“Decidi finalmente que o meu futuro será…”, guardou Elton John para uma conferência de imprensa, mais curta que a de Bruno Carvalho, de anúncio de uma maratona de três anos para se despedir. E porquê esta volta olímpica? “Sempre pensei que iria ser como Ray Charles e B.B. King – na estrada para sempre. As prioridades mudaram na minha vida. Tenho as minhas crianças e o meu marido [David Furnish]”, reconheceu. “Tive uma vida maravilhosa e uma carreira maravilhosa”, explicou prometendo não parar de compor. Apenas se cansou de aeroportos, milhas aéreas e quartos de hotel, mas ainda terá três anos de suites faraónicas e mordomias como só os grandes vultos têm direito. Na última digressão, os filhos vão acompanhá-lo com um tutor, anunciou. “Quando [a digressão] acabar terão 10 e oito anos. Não os quero perder. Nem eles a mim”, comentou referindo-se a Zachary e Elijah.

70 anos de vida, 50 de carreira e 300 milhões de discos vendidos depois, o rocket man entra em órbita pela última vez. A digressão terá início a 8 de setembro em Allentown, na Pensilvânia, e chegará à Europa a 2 de maio de 2019. Viena é a primeira estação do epitáfio. Portugal não faz parte da escala de Elton John. Até ver. E para as despedidas antecipadas, a residência “Million Dollar Piano” mantida desde há seis anos no hotel-casino Caesars Palace de Las Vegas, chegará ao fim em maio.

Quando a Farewell Yellow Brick Road tiver percorrido os cinco continentes, terá 73 anos. “Tenho andado em digressão desde os 17 anos. Acho que é o momento ideal para agradecer aos fãs e dizer-lhes adeus”. 300 concertos devem ser suficientes para guardar todos os aplausos e verter todas as lágrimas.

O mesmo fim terão os Slayer. “Depois de quase 37 anos, de 12 álbuns, de múltiplas gravações ao vivo, de quase três mil concertos em todos os cantos do mundo, de inúmeros prémios incluindo cinco nomeações e dois Grammy, […], de ter a sua própria exposição no Smithsonian, de ser capa em centenas de revistas, da perda devastadora de um irmão fundador e de aparecer no Tonight Show, a era dos Slayer, uma das maiores bandas de thrash/metal/punk desta ou de qualquer era, está a chegar ao fim”, anunciam com peso e carga os titãs. Para já, a digressão mundial acontece em maio e junho na América do Norte (EUA e Canadá), com passagem de testemunho assegurada para Lamb of God, Anthrax, Behemoth e Testament. É provável que a ronda se prolongue no tempo e no espaço. E é justo reconhecer que o fim definitivo dos Black Sabbath, no ano passado, e dos Slayer em 2018 deixam o metal empobrecido.

E por fim, a mão cheia para completar o aceno. Enormes na América, menos (re)conhecidos na Europa, os sulistas Lynyrd Skynyrd saem de cena providos de importância histórica no pós-Woodstock e uma referência para os herdeiros Kings of Leon. Quarenta anos depois de um hiato provocado pela morte de Ronnie Van Zant, a voz de comando do grupo, deixam-nos para sempre.

A The Last of the Street Survivors Farewell Tour tem como cabecilhas Gary Rossington e Johnny Van Zant. A digressão arranca a 4 de maio mas não atravessa o Atlântico. “Estamos mais velhos e é muito duro andar em digressão. A minha saúde já teve melhores dias e todos temos famílias. Filhos e netos”. justifica Rossington. É o rock’n’roll a chegar à terceira idade.