Eleições. Listas transnacionais recusadas no Parlamento Europeu

A proposta para a nova composição do parlamento foi aprovada, mas sem o ponto que permitia a criação do círculo único europeu com parte dos lugares deixados vagos pelo Brexit

A criação de listas transnacionais com 46 dos lugares de deputados vagos pela saída do Reino Unido da União Europeia foi ontem chumbada pelo Parlamento Europeu. A restante proposta redigida pelo eurodeputado socialista português Pedro Silva Pereira e pela polaca Danuta Maria Hübner, que incluía a distribuição de 27 lugares por países sub-representados – como França, Espanha, Itália, Roménia, Irlanda – e a diminuição do número de deputados no hemiciclo para 705, foi aprovada.

“Estou muito satisfeito por a nossa proposta ter sido aprovada por uma maioria clara”, disse Silva Pereira em conferência de imprensa conjunta dos redatores depois da votação. “Garantimos um parlamento mais justo em que temos uma maior representação dos cidadãos e garantimos este princípio de que não há perdas para os deputados”, acrescentou. Hübner disse também que esta solução “é quase perfeita”, uma vez que “o Brexit cria uma situação em que podemos garantir a proporcionalidade degressiva”.

Para além disso, como nota Silva Pereira, há “margem de manobra para futuros alargamentos”. “É muito mais importante do que parece porque estamos a garantir que ninguém perderá lugar e ao mesmo tempo garantimos que não perderão lugar em futuros alargamentos”, acrescentou. A eurodeputada polaca avançou ainda que Jean-Claude Juncker já tem em cima da mesa a possibilidade da Sérvia e Montenegro aderirem à União Europeia, caso cumpram as normas necessárias. “Só com estes já temos 23 lugares”, acrescenta, sendo 17 para Sérvia e 6 para Montenegro.

“Tivemos em consideração que para a opinião pública é favorável que quando temos um país como o Reino Unido a sair haja uma diminuição do Parlamento Europeu”, continuou Silva Pereira. Sobre a poupança que isso poderá implicar aos cofres da União Europeia, os redatores não fizeram as contas, “mas deve custar menos do que 751 [deputados]”, afirmou Hübner.

João Ferreira, do PCP, foi um dos poucos eurodeputados portugueses a demonstrar o seu desagrado com o resultado da votação. “É uma proposta que arranja maneira de dar deputados à maioria dos Estados-membros, que dá a todos os grandes – são esses sobretudo que ganham, à exceção da Alemanha, que não pode ganhar mais porque já está no limite máximo – e que discrimina negativamente Portugal, um país que perdeu deputados sucessivamente e que não vê recuperado nem um”, disse o eurodeputado ao i, acrescentando que “era uma oportunidade de ouro”.

Marinho e Pinto, eurodeputado eleito pelo PDR, ficou descontente com a rejeição das listas transnacionais. “Acho que era um passo importante no sentido da integração europeia que mais uma vez é adiado”, disse ao i Marinho e Pinto acrescentando que “está-se a construir o edifício institucional da União Europeia em torno da figura dos Estados nacionais e não com base – também – no próprio povo europeu”.

Para o eurodeputado a criação de um círculo eleitoral único permitia unir a Europa aos temas europeus. “As campanhas eleitorais [europeias] fazem-se sempre em torno de temas nacionais, são um remake das eleições para os parlamentos nacionais e, infelizmente, assim vai continuar a ser porque não houve a coragem, a audácia, de dar mais um passo decisivo no sentido de reforçar a integração europeia”.

Paulo Rangel, do PSD, Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e Nuno Melo, do CDS, ficaram agradados com o resultado final da votação. “Estamos perante uma vitória enorme para a democracia europeia, para os europeístas e, em particular, para mim que sou um federalista”, disse ao i Paulo Rangel. “As listas transnacionais são um instrumento centralista artificial da engenharia quase constitucional metido na construção europeia”, acrescentou

Para o centrista Nuno Melo, “este resultado consagrou anos de esforços contra as listas transnacionais” porque, como reforça, “Portugal é um Estado soberano, não é uma região europeia”. “Assim se evita que alguns dirigentes de grandes países que dominam partidos europeus possam escolher representantes de outros países”, acrescenta.

Também Marisa Matias considera ter sido “uma boa notícia para a democracia”. “Eu creio que os governos não têm condições para recuperar amanhã ou na próxima semana ou no próximo mês nas reuniões do Conselho [Europeu] esta questão”, acrescentou.

Todos os deputados estão certos que eventualmente o tema irá voltar à agenda política, mas provavelmente só no próximo mandato. “Nem que seja suscitado por outro presidente como foi agora por Emmanuel Macron, o tema pode voltar a par de outros igualmente disparatados”, afirma Melo.

Rangel acredita que esta votação pode afastar a possibilidade de o assunto conseguir unanimidade no Conselho Europeu. “Ainda que houvesse Estados que pudessem vir a mudar de posição, eu penso que a partir do momento que saibam que houve um voto desfavorável, uma maioria clara contra as listas transnacionais, eu penso que isso dá força a esses Estados para manter a sua posição”.