Esta Lisboa que eu amo

Fui buscar o título a uma revista representada no velhinho Monumental, em 1966, com Simone de Oliveira a interpretar a canção com o mesmo nome, num apoteótico grand finale.  Vale uma pesquisa no Google.

Pois… Esta Lisboa que eu amo está a transfigurar-se. Por todo o lado há prédios a serem reabilitados e alindados, como se a cidade tivesse decidido ‘vestir os fatos mais vistosos’ para receber a embaixada que D. Manuel enviou ao Papa Leão X. 

Seja por causa dos Vistos Gold, do alojamento local, de Portugal estar na moda, dos reformados ricos, da melhoria da economia, ou de uma ilusão de boom que vem dos EUA, que atravessa a Europa e aumenta de vigor na China, vendem-se casas. Imensas casas! Os investidores multiplicam-se, vêm de todo o lado e ameaçam comprar o que resta da Lisboa antiga, para modernizarem e oferecerem aos famosos do mundo. Tudo bem, desde que o resultado não seja expulsar os lisboetas da sua cidade, uma coisa que está longe de estar garantida.

Assim ou assado, deixou de ser verdadeira a caricatura de Raul Solnado, também dos anos 60, sobre as casas pombalinas: E dentro delas / Há caruncho nos tabiques / E ratazanas com barbas / Do tempo de Afonso Henriques. 
Confesso-me saudosista da ‘década mágica’. Tenho saudades de quase tudo, mesmo da Cidade tão antiga, cidade amiga / Modesta e bela, que Simone cantou, mas prefiro a cidade renovada, que continua ‘amiga’ e está cada vez mais bela. 
Irrito-me quando sou obrigado a parar, ou a fazer slaloms arriscados para me desviar de gruas e taipais, mas logo uma fachada pintada de novo, que se destaca ao voltar da esquina, me reconcilia com a minha cidade. Este sentimento começou a impor-se sempre que, numa rua velhinha, deparava com mais dois ou três prédios reabilitados, em que descobria a beleza de fachadas imponentes, que sempre lá estiveram, só que invisíveis, porque tapadas por grossas camadas de sujidade. 

Queixam-se os amigos das dificuldades de circular no Chiado entre magotes de ‘arrastadores de trolleys’. E a mim… que me importa? Qual é o problema se, finalmente, o Chiado ressuscitou dos escombros do incêndio de 1988; se Alfama e o Castelo têm os amarelos polidos; se o eixo Martim Moniz-Intendente foi absolvido de pecados antigos e convertido em atração turística, e a Rosa Araújo voltou a ser um boulevard ao melhor estilo parisiense? 

Lavada e formosa, Lisboa está tão acolhedora que me sinto tentado a esquecer os irritantes tuc-tucs e o pechisbeque que substituiu as ‘novidades da moda’ das montras da Baixa. 

Para compensar, são muitas as Lojas com História – em boa hora divulgadas pela CML − que se reinventaram e estão a faturar como nunca. Se até há quem consiga vender uma coisa chamada ‘pastel de bacalhau recheado com queijo da serra’, é porque aconteceu um milagre que só tem paralelo no da batalha de Ourique! 
Oiço os trinados da Hermínia: Junto ao Arco do Bandeira / Há uma loja, a Tendinha… Querem ir até lá, beber uma ginjinha… e brindar a Esta Lisboa que eu amo?