A arte do time-lapse, ou uma forma diferente de olhar o mundo

Paulo Ferreira, informático de Gondomar, venceu pela segunda vez um prémio de melhor documentário sobre natureza nos Hollywood International Independent Documentary Awards, uma espécie de Óscares do documentário independente. Depois das auroras boreais na Noruega, desta vez foram imagens da Patagónia a convencer o júri. Pouco conhecido por cá, Paulo já chamou a atenção da…

Patagónia, a ponta do mundo. Talvez um dos exemplos mais extremos da beleza inspiradora que pode ser encontrada na Terra. Embora aparentemente invencível e mais forte do que os milénios que a moldaram, este exemplo de serenidade austera está sob ameaça.» 

Começa assim o filme de oito minutos que deu o segundo ‘Óscar’ numa competição de documentários independentes a Paulo Ferreira, informático de Gondomar, fotógrafo e autodidata em ‘time-lapse’, a arte de capturar o mundo em ‘câmara rápida’. É a segunda vez que o português é distinguido pelos Hollywood International Independent Documentary Awards, que todos os meses premeiam documentários independentes dos quatro cantos do globo. Pouco conhecido por cá mas a começar aos poucos a chamar a atenção lá fora, Paulo promete não parar por aqui e conta ao b,i. já ter uma nova aventura em preparação, por agora no segredo dos deuses. 

Vamos então à viagem à Patagónia que convenceu o júri na mais recente edição da competição em Los Angeles, mais concretamente na categoria de time-lapse e natureza. Quando em março do ano passado partiu rumo à Patagónia, Paulo, de 45 anos, ia com uma missão: fazer um trabalho que alertasse para os problemas ambientais, mas pelo lado positivo, mostrando cenários praticamente intocados pelo Homem que importa preservar. 

A aventura, financiada a 50% por uma campanha de crowdfunding, durou 15 dias e teve alguns sustos, um deles logo no início. Quando estava a registar imagens num glaciar, Paulo viu o vento levar-lhe um tripé com a sua melhor câmara para dentro de água, sem recuperação possível. «Agora rio-me mas ainda pensei se não seria melhor cancelar o projeto».
Sessenta mil fotografias depois, entre mais planos de vídeo convencional e imagens captadas por um drone, Paulo regressaria a casa para uma maratona de edição, já que faz tudo à mão: hoje em dia há aplicações que, num clique, preparam o time-lapse, mas o informático aperfeiçoou ao longo da última década a sua técnica. Minúcia é um dos ingredientes. E muita resiliência: basta pensar que num vídeo normal, cada segundo tem 25 frames, o que dá 1500 frames por minuto. E claro que, nesta fase, não poderia faltar outro percalço, o pesadelo de qualquer pessoa que maneja computadores e cartões de memória – e para um informático ficar preocupado é porque o caso esteve mal parado. Quando estava a fazer um backup no material, o disco externo deu um erro e Paulo esteve alguns momentos sem conseguir acede às imagens ou ter a certeza de que as voltaria a recuperar.

Uma paixão nascida num gabinete de arquitetura

Como se acaba a dar cartas no time-lapse? Paulo lembra que a paixão inicial não foi a fotografia: tudo começou com um problema prático. Trabalhava num gabinete de arquitetura como desenhador. Um dia, para um projeto, quis recriar a posição do sol ao longo de 24 horas e começou por fazer uma modulação em 3D, o recurso habitual. Mas depois teve uma ideia que lhe abriria um mundo de descobertas em torno da fotografia e da edição em time-lapse: por que não usar imagens reais? 

As primeiras experiências foram uma espécie de clássico para quem já se aventurou na técnica, mais que não seja com as apps do telemóvel: registos do pôr do sol na zona do Grande Porto.

Com o passar do tempo, seguir-se-iam outras aventuras, quase sempre solitárias, para se embrenhar na vista e na história, que é outra componente desta forma de olhar o mundo que descreve como construir uma narrativa em imagens.

Em 2016, já tinha captado a atenção dos Hollywood International Independent Documentary Awards com um projeto sobre as auroras boreais na Noruega, que deu origem ao documentário curto Nordlys. As distinções pelo festival norte-americano trazem um bónus: como é uma competição reconhecida, permitem aos autores verem as suas obras inscritas no IMDb, destino que terá também Patagónia – A Ponta do Mundo, à partida depois da cerimónia de entrega de prémios marcada para 24 de março nos Raleigh Studios Hollywood, em Los Angeles.

Outro trabalho que teve maior visibilidade foi uma recolha de imagens sobre o céu noturno em Portugal, publicada pela National Geographic em Itália. Por cá, tem ainda registos das luzes do Porto ao Parque Natural do Alvão, passando pelo Gerês. 

Desta vez, o projeto sobre a Patagónia tem outro elemento especial: conseguiu que a narração fosse feita por Conrad Harvey, voz off profissional com trabalho para a NASA. Além das produções mais artísticas, Paulo orgulha-se de hoje já conseguir fazer desta arte trabalho quase a tempo inteiro. Dá formações em técnicas de time-lapse no Instituto Português de Fotografia do Porto e tem uma empresa que faz trabalhos que conjugam time-lapse, vídeo e imagem aérea, uma solução promocional para empresas ou instituições. Um dos seus clientes mais recentes é a cadeia de supermercados Mercadona, que está prestes a estrear-se a Portugal e gostou do formato. «Só por verem estes vídeos nas redes sociais, interessaram-se e contactaram-me.» Os trabalhos mais comerciais ajudam a suportar os mais criativos, resume Paulo, a quem não faltam ideias. Ainda assim, os custos são elevados e procura patrocinadores para a próxima expedição. Uma pista: será nos antípodas de Portugal e o céu voltará a ser o seu foco de atenção, para mostrar como somos apenas um pequeno ponto no universo. «Andamos sempre muito ocupados com tarefas do dia a dia e a consciência disto fica sempre arrumada na gaveta até ao dia em que algo nos toca de perto e desperta para a realidade», diz Paulo, que acredita que esta é uma forma de fazer a diferença.  

Conheça o trabalho de Paulo Ferreira em vimeo.com/ptlapse