Natália Nunes. Uma vida (plena) de palavras

Romancista, ensaísta e dramaturga, Natália Nunes, viúva de Rómulo de Carvalho e mãe da escritora Cristina Carvalho, deixou uma vasta obra literária. Morreu hoje aos 96 anos, na Ericeira.

Escreveu livros (muitos), traduziu livros, trabalhou entre e com livros, teve um marido escritor a quem nunca disse adeus, a filha de ambos seguiu-lhes as pisadas. Uma vida de palavras, a de Natália Nunes, que morreu hoje aos 96 anos, na Ericeira. A filha, a escritora Cristina Carvalho, partilhou a notícia da partida da progenitora nas redes sociais, onde publicou a biografia da mãe alinhavada por Helena Pato para o grupo “Antifascistas da Resistência”. 

Natália Nunes nasceu em Lisboa, em 1921, mas passou a infância na Beira Alta. Ao crescer, e de volta a Lisboa, completou os estudos no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho e foi “considerada unanimemente uma das jovens mais bonitas da capital”. O elogio foi-lhe endereçado pelo marido: Rómulo de Carvalho – o António Gedeão –, com quem casou em 1945. Ficaram juntos até à morte do escritor, poeta e pedagogo, em 1997. Foi Natália quem, a pedido do marido, completou as “Memórias” de António Gedeão. “Não te digo adeus, a minha alma estará sempre contigo”, escreveu a autora no epílogo.

Natália deixou uma vasta obra literária espraiada por vários estilos: foi romancista, dramaturga, contista e ensaísta. A carreira nas letras foi encetada em 1952 quando publicou “Horas vivas: Memórias da Minha Infância”. No livro, refletiu sobre os tempos da escola primária vividos em Oliveira de Frades (Vale do Vouga), “um ambiente quase medieval”, resume a Plataforma Escritores Online, do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa.

Seguiu-se “Autobiografia de uma Mulher Romântica”, publicado numa altura em que vivia em Coimbra, onde fez o curso de Bibliotecária-Arquivista (1956). Mas antes disso, em 1948, já se tinha licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1948). Não mais parou de escrever e da sua obra destacam-se “A Mosca Verde e Outros Contos” (1957), “Regresso ao Caos” (1960), “Assembleia de Mulheres” (1964), “O Caso de Zulmira L.” (1967), “A Nuvem. Estória de Amor” (1970), “Da Natureza das Coisas” (1985), “As Velhas Senhoras e Outros Contos” (1992), “Louca por Sapatos” (1996). O seu último romance, “Vénus Turbulenta”, foi publicado no ano da morte do marido: 1997. Colaborou ainda em diversas publicações, como o “Diário Popular”, “Diário de Lisboa”, “Diário de Notícias”, “O Primeiro de Janeiro”, o “Jornal de Letras” e as revistas “Seara Nova” e “Vértice”. 

Por todo esse tempo foi mais do que escritora. Fazendo uso da formação adquirida em Coimbra, trabalhou nas Bibliotecas da Ajuda e Nacional, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e na Escola Superior de Belas-Artes, como bibliotecária e conservadora. Também nesta vertente o seu trabalho foi reconhecido: em 1977, recebeu o Prémio da Associação Portuguesa de Arquivistas e Documentalistas.

O seu trabalho com as palavras não se cingiu à criação. Traduziu cinturões negros: Dostoievsky, Tolstoi, Simonov, Elsa Triolet, Violette Leduc, Balzac, Roger Portal… 

E, durante os anos da ditadura, Natália Nunes foi um dos nomes da resistência: foi membro da direção da Sociedade Portuguesa de Escritores – que a PIDE encerrou em 1965. Entre 1978 e 79, também fez parte da direção da Associação Portuguesa de Escritores.

Em 1998, em entrevista ao “Expresso” (citada pela mesma biógrafa) numa altura em que já tinha arrumado a pena, disse, a propósito dos anos da luta contra a ditadura: “Não sou nem nunca fui política mas sempre defendi ideais sociais. Na minha vida privada, o tema político está sempre presente, com uma tão grande preocupação que chega à angústia”. Quatro anos depois, em 2002, Natália faz jus aos seus próprios ideais, ao entregar à Biblioteca Nacional o espólio do seu marido. 

 O funeral de Natália Nunes realiza-se amanhã, a partir das 16h00, com a partida do corpo da capela mortuária da Igreja de Santo Condestável, em Lisboa – onde se encontra hoje em câmara ardente – para o Cemitério dos Olivais, onde será cremada.