Carnaval político. Do Temer vampiro à escravidão e violência quotidiana

Paraíso do Tuiuti, Beija-Flor e Mangueira apostaram em enredos com crítica política. Samba da Tuiuti recebe elogios. Apologia da tortura proibida de desfilar em São Paulo

“Não sou escravo de nenhum senhor/ Meu Paraíso é meu bastião/ Meu Tuiuti, o quilombo da favela/ ´E sentinela da libertação”. A Paraíso do Tuiuti, que o ano passado só não desceu do grupo de elite do samba do Rio de Janeiro por decisão do júri, apostou em força este ano na questão política contra o presidente Michel Temer e no relembrar da questão da escravatura. O seu samba-enredo é emocionante e ameaça tornar-se um clássico – na sua denúncia da questão política teve repercussão internacional.

“Para o júri do Estandarte de Ouro, a melhor comissão da frente [dez a quinze pessoas que abrem o desfile apresentam o enredo da escola] foi a do Paraíso do Tuiuti”, escreve a escola na sua página de Facebook. A pergunta que a escola procurou responder no seu desfile, numa altura em que alguns avanços sociais da última década estão a ser postos em causa foi simples: “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?”.

Em maio completam-se 130 anos da implementação da lei Áurea no Brasil, mas o último país do mundo a abolir a escravatura continua a mostrar diferenças na forma como a sociedade trata negros e brancos: cerca de dois terços dos desempregados brasileiros e 70% das vítimas de homicídios são negros. O desfile da Tuiuti incluiu um presidente vampiro do neoliberalismo, críticas à reforma laboral e negros acorrentados.

De acordo com o site Brasil247, o enredo da Paraíso do Tuiuti tornou-se no segundo mais comentado no Twitter e na sondagem do site Uol já surge como a melhor escola de 2018.

Naquilo que já se diz ser um dos carnavais mais politizados de sempre no Rio de Janeiro, também a Beija-Flor, uma das mais importantes escolas de samba (com 13 vitórias, a última das quais em 2015, e 12 segundos lugares), fez um desfile criticando a corrupção, a desigualdade e a intolerância do “Brasil monstruoso”. O samba-enredo tem título sugestivo: “Monstro é aquele que não sabe amar os filhos abandonados da pátria que os pariu”. E a letra diz a determinada altura “ganância veste terno e gravata/ onde a esperança sucumbiu/ vejo a liberdade aprisionada/ teu livro eu não sei ler Brasil”.
Também a Mangueira, outra das grandes escolas (com 19 vitórias e 19 segundos) apostou na crítica política, neste caso contra o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, por ter cortado as verbas públicas para as escolas de samba. Curiosamente, o político nem sequer está nesta altura na cidade, tendo viajado para a Europa.

Elogio da ditadura Num claro sinal de que o Brasil está dividido, há também quem tenha procurado fazer a apologia da ditadura militar brasileira (1964-1985), a mesma que o pré-candidato presidencial Jair Bolsonaro louva a cada discurso. A denominada Direita de São Paulo procurou convocar um bloco carnavalesco na cidade com o nome de Bloco Porão do DOPS – sendo o DOPS a antiga polícia política da ditadura –, homenageando figuras do regime como o coronel Carlos Ustra, responsável pela repressão durante a ditadura, e Sérgio Fleury, um dos torturadores da DOPS. Um tribunal de primeira instância recusou-se a proibir o desfile, por considerar que se trataria de censura prévia, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo acabou por proibir o bloco de desfilar por “apologia ao crime de tortura”.