«Adoro-teeee gorda!»

Quando escrevi o primeiro texto desta série, a minha amiga Carmen confessou que também gostava de fotografar frases nas paredes e enviou-me esta.

Apesar de o tratamento por «gorda» não ser, à partida, o mais simpático, o facto de a palavra «adoro-te» ser escrita com tantos «ee», prolongando o som final, atribui um tom carinhoso à afirmação. E sermos capazes de afirmar que «adoramos» alguém, que gostamos mesmo muito de uma pessoa é uma prova de fôlego para qualquer relação de amizade. Pena é quando a pessoa se fica pela vontade de adorar alguém. Ou se sente como Álvaro de Campos: «Gostava de gostar de gostar»…

Infelizmente, o tratamento por «gorda» pode, para quem o é, ser causador de grande sofrimento. No livro A Gorda, Isabela Figueiredo traça, na primeira pessoa, um retrato intimista das dificuldades por que passa uma pessoa realmente obesa: a rejeição do próprio corpo, das reações que provoca nos outros. E descreve, de forma muito realista e simultaneamente cruel, a relação com o monstro da fome: um monstro insaciável, que exige comida constantemente, até o corpo quase rebentar.

Porém, quando o problema do peso não é tão grave ou tão acentuado, é possível aceitar o tratamento por «gorda», como forma carinhosa, não ofensiva de uma amiga se dirigir a outra.

E é muito importante, para a construção do eu, que cada pessoa se sinta amada, porque, como diz Florbela Espanca: «Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém». O psiquiatra António Coimbra de Matos tem, aliás, um livro intitulado Existo Porque Fui Amado. Neste livro, como resume em entrevista ao Expresso, expõe a sua teoria da «constância do sujeito no interior do seu objeto», que sintetiza da seguinte forma: «Durante muito tempo pensou-se que o importante era a introjeção do objeto, tenho a minha mãe, o meu namorado, dentro de mim. Mas mais importante é eu ter a certeza que estou no interior do meu objeto, que a minha mãe pensa em mim, que a minha namorada pensa em mim».

É realmente muito importante termos a certeza de que os outros gostam de nós e pensam em nós. Daí que a manifestação dos afetos seja tão importante como face visível do que sentimos no nosso interior. Porque, efetivamente, o que falta não é amor; o que falta é amar.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services