Campeonato. Mais vale cair de um sonho que de um 13.º andar

Benfica recebe amanhã o Boavista, com o qual perdeu na primeira volta. O FC Porto tem no domingo a visita do Rio Ave, que servirá para se perceber a extensão das consequências daquela noite fantasmagórica frente ao Liverpool

Este fim de semana não tem Sporting. Isto é, o leão vai a Tondela, numa daquelas deslocações chatas como a potassa, em que só há a perder e nada a ganhar, tendo em conta que a vitória é uma obrigação, e qualquer outro resultado um problema bicudo para resolver nas contas posteriores da tabela classificativa. Mas isso será só na segunda-feira. Afinal, depois dessa viagem até aos confins dos Urais para defrontar o Astana nesse país dos cazaques muito incompreensivelmente europeu para os senhores teimosos da UEFA, bem merece descanso, e vai tê-lo. Depois, se terá ou não descanso lá pelas terras de Lafões, onde a vitela é assim uma espécie de princesa das velhas cozinhas de pedra e de fornos enormes que se transformam em lareiras para os invernos duros dos contrafortes do Caramulo, é outra coisa.

Mais ou menos tranquilo no meio da tabela, o Tondela quererá aproveitar os malefícios de uma deslocação que não deixará de ser violenta por muitos paninhos quentes com que a envolvam.

Mas, lá está, isso fica para segunda-feira. Hoje mesmo abre a jornada, com um Feirense-Portimonense, curiosamente dois dos recentes derrotados por Sporting e Benfica, Benfica esse que amanhã, na Luz, recebe o Boavista pelas seis e um quarto da tarde, bem a tempo de a malta ir à bola e depois poder jantar com os amigos, tal como o sábado costuma proporcionar.

É um belo Boavista, este. Sexto classificado a meias com o Chaves, vencedor dos encarnados na primeira volta – o que dá um leve toque de picante ao embate que tem agora lugar – e disposto a fazer a vida negra (se não completamente negra, pelo menos negra e branca aos quadradinhos) à equipa de Rui Vitória, que passa por momentos estranhos. Eu explico esta coisa dos estranhos. Aliás, pode usar-se a última deslocação a Portimão como exemplo. Entrada à campeão, adversário encostado às cordas, golo de Cervi, mais duas ou três oportunidades desperdiçadas, e tudo a indicar que a vitória não lhe fugiria. Depois, durante largos minutos, falta de ideias, incapacidade de trocar a bola no meio- -campo, passes perdidos e permissão aos algarvios para virem por ali acima até ao empate, deixando os três pontos na corda bamba. Finalmente, uma reação derradeira e a coisa a compor-se. Mas dolorosamente, suadamente, num esforço que pareceu evitável. Fica a sensação de que é esse o destino desta águia: conseguir à custa do sofrimento o que poderia conquistar pela categoria de vários dos seus jogadores, sobretudo do meio–campo para a frente.

Ressaca! FC Porto-Rio Ave, no domingo, pelas seis horas da tarde, nas Antas.

Como sofreu o dragão na passada quarta-feira! Um vendaval cor de laranja vindo das margens do Mersey, com o nome encantado de Liverpool Football Club, devastou por completo o líder do campeonatozinho português, pobrete e alegrete, envolvido em tricas idiotas, em insinuações torpes, em canalhices rascas, cada vez menos competitivo naquilo que espelha lá por fora, com as suas equipas a milhões de anos-luz das congéneres dos países do Grande Futebol.

“Mais vale cair de um sonho do que de um terceiro andar!”, afirmava perentoriamente Machado de Assis.

Mas, convenhamos, o FC Porto caiu de, pelo menos, um 13.o andar.

Ninguém retira a Sérgio Conceição o direito e a obrigação de acreditar nos seus jogadores, e o discurso que teve antes da visita dos ingleses foi positivo e esperançoso. Mas não foi real. Por seu lado, Klopp avisou que vinha para tentar desde logo resolver a eliminatória. Resolveu-a. Estrepitosamente!

A diferença entre FC Porto e Liverpool foi tão grande, tão vincada, tão clara como a água que escorre pura do alto das Pedras Salgadas. Basicamente, há que dizer: é esta a realidade com que temos de viver e que será necessário contrariar nos tempos mais próximos.

Justo comandante do campeonato, ainda com aqueles 45 minutos por jogar na Amoreira, frente ao Estoril, o dragão foi um joguete aos pés do seu poderoso adversário. Não vale a pena andar por aí com a peneira a tapar o sol, até porque ele não tem brilhado muito sobre o Continente e Ilhas Adjacentes nos últimos tempos. Não há lugar na fase mais adiantada da Liga dos Campeões para equipas portuguesas. Na próxima época, reduzido o contingente, expor-nos- -emos menos a goleadas do género da das Antas e de Basileia.

Para já, veremos se as águas do Ave terão em si o segredo de consolar uma ressaca terrível. Ou se, pelo contrário, o sismo provocado pelo Liverpool continuará a ter réplicas internas e consequências desastrosas.