Ferraz da Costa. “As pessoas não querem trabalhar, as empresas não conseguem contratar”

Para o presidente do Fórum para a Competitividade há falta de mão-de–obra em todos os setores mas ninguém quer trabalhar

A economia cresceu 2,7% em 2017, a maior subida desde 2000. 

Ficou surpreendido com o resultado?

Não. A folha de conjuntura do Fórum da Competitividade no início de 2017 começou a apontar para um crescimento de 2,7%, muito antes do próprio governo. Uma meta que acabou por se concretizar. 

E para 2018?

É difícil saber o que vai acontecer porque estamos dependentes do exterior. A economia portuguesa, sendo uma economia aberta e pequena, também está dependente de muitos fatores externos. Alguns sinais são positivos, como é o caso da Alemanha que está a apresentar números fantásticos mas, de uma forma geral, o mundo está todo a crescer. Há uma incógnita relativamente à Catalunha que tem um peso relativamente importante no nosso comércio externo. De uma forma geral, os sinais externos são quase todos positivos, daí considerar a nossa performance fraquinha face às previsibilidades. 

Qual seria o crescimento desejável?

Poderíamos crescer acima de 4% se quiséssemos. 

E porque não crescemos? 

Porque os objetivos governamentais não são esses. Portugal nunca teve o crescimento económico como o seu principal objetivo. Ter um crescimento mais elevado é a única forma séria de criar possibilidades de promoção e de crescimento profissional para os mais jovens. Uma economia que não cresce não cria lugares de chefia e não dá hipóteses aos mais jovens que acabam por ficar à espera que os mais velhos morram. Ainda por cima, hoje vive-se mais anos e qualquer dia trabalha-se até aos 80 anos. As empresas são quase lares de terceira idade. Para que isso não aconteça é necessário que haja muitas empresas a crescer acima dos 5% e felizmente temos algumas de dimensão média a crescer nesse patamar.

Mas ainda são uma minoria?

Já são umas centenas, mas precisávamos que fossem milhares. O Fórum Económico quer fazer um trabalho para determinar quais foram as empresas que nos diversos setores e nas diversas regiões apresentaram crescimentos acima da média porque são essas empresas que deveriam ser apoiadas em termos estratégicos e pontualmente deveriam ser ajudadas para comprarem as empresas que dentro do seu setor cresceram menos. Só assim é que conseguem ter objetivos muito maiores em termos de internacionalização. Uma PME de um país pequeno não está, por norma, em mais do que um país em termos de internacionalização e isso é um risco. Se temos uma boa quota de mercado com determinados tipos de produtos ou serviços e estando na União Europeia então deveríamos estar em condições para multiplicar esse sucesso em outros países. Já sabemos como é que se faz, o produto já está confirmado, já há referências porque o primeiro é sempre mais difícil então porque é que não estamos em mais países? Na generalidade dos países com sucesso, as empresas conseguem passar de start-ups para empresas de dimensão internacional num período de tempo relativamente curto. Em Portugal isso não acontece.

Qual é a razão?

Uma das razões deve-se à carga fiscal. Por exemplo, nos Estados Unidos, uma empresa que investe não paga praticamente impostos. 

O mesmo acontece às exportações com a aposta de muitas empresas num único só mercado…

Há dois ou três anos, a grande maioria das empresas que exportava, apostava apenas num único mercado. E na esmagadora maioria esse país era Angola. 

E se esse país entra em crise…

Começam os problemas. 

Foi o que aconteceu com o setor da construção?

A construção é um caso ainda mais complicado. As construtoras fizeram um trabalho notável ao conseguirem ganhar empreitadas porque enfrentavam diversas dificuldades. Durante muito tempo ninguém aceitava sequer uma garantia de um banco português porque estávamos ao nível de lixo. O problema é que as pessoas já se esqueceram como foi esse período.

Por outro lado, estamos a assistir a taxas mínimas ao nível do desemprego…

Mas há falta de mão-de-obra em muitos setores há bastante tempo. Qualquer empresa que queira contratar pessoas não consegue. E essa dificuldade é sentida tanto na agricultura, como no turismo, indústria ou serviços, é por toda a parte. Nós temos aqui algumas áreas na nossa atividade (farmacêutica) onde não crescemos mais porque não encontramos pessoas. 

Mas porque não têm a qualificação necessária?

Porque não querem trabalhar. 

É a tal geração “nem nem”…

Bastar olhar para a Alemanha ou para a Suíça. Estes países apresentam taxas de desemprego juvenil de 4% e 5% e depois olhe para Portugal, para os turcos e italianos. Não temos pessoas para trabalhar em engenharia informática. A Altran queria abrir um centro de engenharia no Porto e tem estado a adiar o projeto porque não encontra o número de pessoas necessárias, simplesmente não há. Há vagas na universidade que não são preenchidas. Além disso, temos um ensino péssimo em termos de preparação para o futuro. O meu neto está a acabar o 12º ano e deve ter tido seis meses de informática nos últimos três anos. Acha que isso é aceitável? Não se admite hoje em dia. 

Para isso é necessário fazer uma reforma profunda nomeadamente no ensino?

Mas o país não faz isso nem coisa nenhuma. 

Há falta de vontade ou de estratégia?

É por falta de estratégia e também porque ninguém quer chatear ninguém. Reformar é a tarefa mais ingrata que existe porque todos os que se vão sentir incomodados estão contra e não tem ninguém a favor porque só percebem o quanto foi bom quando já tudo tiver acontecido. 

E a reforma da educação ainda é mais difícil?

Essa ainda é mais difícil porque a educação está totalmente corporativizada. 

Apesar destas boas notícias económicas, o rendimento das famílias continua abaixo dos níveis de 2008…

Pois está, mas o PIB também está. O PIB está aos níveis de 2007 e já se passaram 10 anos. Não se deveria ter crescido mais? Neste momento não há razão nenhuma para não termos recuperado e, como tal, deveríamos estar a crescer muito mais. Imagine o que seria se não tivéssemos tido esta sorte no turismo? E não foi por termos apresentado uma estratégia para o turismo. Portugal beneficiou foi do aumento da instabilidade no Médio Oriente e os turistas começaram a vir para cá. Iam para a Turquia, um país que está agora um verdadeiro deserto em termos turísticos e muito menos barato do que Portugal. Tanto que ao princípio, o poder negocial para conseguir subir os preços em Portugal face aos Bookings e outras plataformas do género era muito difícil. Tínhamos hotéis de cinco estrelas em Lisboa com preços baixíssimos quando comparados com outros destinos semelhantes. Mas apesar do crescimento temos de investir mais neste setor e na própria hotelaria, há muita coisa a fazer ao nível das infraestruturas e da formação profissional. Não consigo compreender como é que as pessoas que dizem que são contra as políticas de baixos salários, ficam todas muito satisfeitas com a criação de postos de trabalho no turismo, um setor que não paga bem em sítio nenhum. 

E com grande precariedade…

Sim, mas se houver muita procura, a precariedade não conta porque as pessoas saem de um sítio e vão para outro. Além disso, é uma questão que não preocupa as novas gerações. Eles não querem um emprego para a vida. 

O governo português anunciou recentemente que vai propor a criação de três impostos europeus: taxação digital, a taxação verde e a taxação sobre transações financeiras internacionais. Como vê esta questão?

Vejo esta questão por dois ângulos quase opostos. Um deles é que não é possível ter uma União Económica e Monetária que possa compensar graus de desenvolvimento muito diferentes entre as zonas centrais e as zonas periféricas sem ter um orçamento com alguma dimensão. O orçamento da Reserva Federal dos Estados Unidos desempenha essa função e pesa 15% do PIB americano, o da União Europeia ronda 1%. A União Europeia trabalhar apenas com 1% é pouquíssimo, entendo perfeitamente que os países que estão menos atrasados queiram ter orçamentos mais robustos. Por outro lado, a União Europeia quando comparada com outras zonas do mundo é de facto uma zona com uma carga fiscal muito elevada e as comparações vão-se agravar com a decisão quase inevitável de a Inglaterra ter de tomar uma decisão fiscal quase tão agressiva como a Irlanda para fazer face às enormes dificuldades em que se meteu com o Brexit. A Inglaterra vai tentar criar condições de atratividade. E, nessa medida, é evidente que o crescimento do orçamento comunitário deveria ser obtido através de uma maior transferência de fundos dos países através dos impostos já existentes do que através da criação de novos impostos. Mas o negócio que o governo português está a propor é bom, vamos pagar mais qualquer coisa e vamos receber mais. 

A carga fiscal já é muito elevada…

Há países que têm vantagens consolidadas há muitos anos, mas não é por causa disso que as empresas se localizam em determinadas áreas. Há outros que não  apresentam essas vantagens, como é o nosso caso, mas acabam por atrair setores. Por exemplo, a França é uma economia muito pouco atrativa, mas é um dos países mais favoráveis do mundo em termos de atribuição de subsídios e de apoios de isenção fiscal para apoiar a investigação na área farmacêutica. Em Portugal, temos algumas coisas que crescem bem, outras nem por isso, devido aos fatores que falámos anteriormente. O setor que cresceu mais em termos de exportação nos últimos 10 anos foi o setor ligado aos serviços informáticos. Temos empresas ótimas, mas devíamos ter um plano concreto para atrair mais jovens. Sem se fazer nada há tantas empresas capazes então é porque há de facto uma vocação para isso. Então só falta construir uma estratégia sobre algo que já sabemos que é bom. Não há nenhum programa para a digitalização da economia ou do país. 

Mas isso cabe ao governo ou ao tecido empresarial?

Se não se consegue fazer nada nem em colaboração com o Estado na área da educação quanto mais isoladamente… Uma das grandes dificuldades que as empresas dessas áreas apontam é que se tiverem de dar uma formação específica têm que esperar por autorizações do IEFP e normalmente são sugeridos cursos muito teóricos. Posso-lhe contar uma história por graça. Tenho uma atividade agrícola até com alguma dimensão e tive dois tratoristas que foram por obrigação a tirar um curso. Quando lhes perguntei como correu, responderam que tinha corrido bem e que nem sequer tiveram tratores durante toda a formação. Foi dado tudo numa sala de aula. Como é que pode correr bem um curso de serralheiros quando têm apenas 200 horas práticas? 

Ainda assim Portugal conseguiu atrair a Google…

Ainda bem que assim é, mas devia atrair muito mais empresas e de forma diversificada. Que venham empresas da Dinamarca, da Suécia e da Alemanha. Têm é de vir em maior número e não vêm em maior número porque não há gente disponível para trabalhar. 

E também a questão da burocracia não ajuda?

A questão da burocracia é talvez o principal obstáculo e, mesmo durante a troika, não se conseguiu ultrapassar. 

E era uma das prioridades da troika…

Exato, mas veja o que aconteceu com as ordens profissionais. A ideia era reduzi-las, mas mesmo assim, conseguiram que o assunto fosse levado a Bruxelas, não sei porque razão e, quando a troika se foi embora havia mais ordens do que quando entrou no país. Há muitos assuntos em que as coisas são bloqueadas e a justiça é um exemplo disso. 

Seria desejável na sua opinião manter a política económica e financeira da era da troika? 

Manteve-se no essencial, o que se arranjou foi uma forma diferente de tributar e, por isso, é que o rendimento das famílias continua abaixo do que se verificava em 2008. Um país que tenha as contas minimamente equilibradas não deveria entrar em défice para atingir determinados objetivos – a não ser que seja para um objetivo concreto que depois traga resultados – agora se for para gerir o dia-a-dia é evidente que não deve tomar essa decisão. Primeiro tem de pôr as suas contas em ordem. O que o governo está a tentar fazer e, tem conseguido fazer em termos orçamentais, é exatamente isso. Quando a troika cá chegou tínhamos registado no ano anterior um défice de 11%, uma loucura. O governo anterior sem contar com as medidas extraordinárias – as caixas (Caixa Geral de Depósitos) e outros problemas que surgiram – teria baixado o défice para os 3% e é o que está previsto no pacto de estabilidade. Agora se tivéssemos investimento público ao nível que tínhamos e sem a ajuda dos dividendos do Banco de Portugal teríamos ficado com um défice à volta de 2,7%. Francamente não melhorámos nesse aspeto.

Em 2005 “adivinhou” que passados 10 anos estaríamos falidos. Corremos novamente esse risco?

Tudo depende do que vai acontecer externamente. Estamos muito dependentes do que vai acontecer na Alemanha ou em Itália. Nos EUA, apesar do folclore em torno de Donald Trump, a economia está ótima. 

Disse recentemente que a concentração de um maior número de decisões económicas nas mãos do Estado adia o progresso, menoriza os cidadãos e compromete a própria democracia…

É prejudicial ter o Estado presente em variadíssimas áreas económicas. Por norma, quando o Estado entra tem um efeito negativo porque põe um travão na mudança. Veja-se o caso dos transportes. É preciso encontrar articulações diferentes, soluções que fossem estudadas para oferecer alternativas competitivas, mais rápidas e mais práticas. Ninguém tem dúvidas que os transportes são um dos aspetos que mais pesa negativamente nas condições de vida da população urbana de Lisboa e Porto. Entram em Lisboa 370 mil veículos por dia, mas está a ser feita alguma coisa para que as pessoas evitem trazer os carros para a cidade? Pois bem, arranjou-se alguns parques nas entradas da cidade e depois? Não estou a ver grandes projetos para evitar isso. Também na área portuária estamos a assistir a alguma incapacidade de tomar medidas mais ambiciosas e era desejável que isso acontecesse. E a verdade é que os portos sem qualquer orientação estratégia a longo prazo estão a crescer. 

O governo tem falado muito na estratégia nessa área…

Não há estratégia nenhuma. Não se percebe o que fizeram e o que ainda vão fazer no Barreiro. Andaram não sei quanto tempo, este governo e governos anteriores, a negociar com Singapura o alargamento do terminal de Sines e não se viu nada e devido a esta falta de estratégia temos vindo a perder imensas oportunidades. 

O Orçamento do Estado já entrou em vigor e é visto por muitos como despesista e acima de tudo que vai ao encontro das exigências dos partidos que apoiam o governo. Concorda?

Concordo com tudo, mas não se podia esperar outra coisa. Pelo menos, não ficámos surpreendidos. Não há de facto grandes mudanças nem podia haver. Acho que foi mau para o país encontrar uma solução política deste género, mas foi a única possível dentro de um estado de crispação que considero anormal entre os maiores partidos que sabem o que é positivo para Portugal e o que é a integração de uma economia de mercado. Ideias que não são defendidas nem pelo PCP nem pelo Bloco de Esquerda e, com isso, temos uma parte do governo que persegue objetivos utópicos.

E o próximo OE corre o risco de ser mais eleitoralista?

Não sei se não vamos ter eleições mais cedo.

Acha que o governo não vai cumprir o mandato até ao fim?

O governo e o PS já deram sinais de que não acham aceitável ceder mais aos sindicatos do PC e, admito que seja por isso que as coisas rebentem.

O novo líder do PSD que vai tomar posse este fim de semana poderá acelerar um cenário de eleições antecipadas?

Não faço ideia, mas o mais natural é que as dificuldades sejam encontradas dentro da própria coligação. Eles têm a obrigação de conseguir resolver determinados problemas, mas já não estão a ter essa capacidade. E, para agravar, todos os países da União Europeia e também de fora da UE estão a passar-nos à frente, qualquer dia até somos ultrapassados pela Malásia.

E num cenário de eleições antecipadas, o PS quererá governar sozinho?

Pode encarar a hipótese de ter um governo minoritário. 

Como o último governo de José Sócrates?

Sim, e isso não o impediu de ter poder suficiente para nos levar à falência. 

E uma aliança com Rui Rio? 

Rui Rio já disse claramente que não era isso que pretendia. As pessoas é que insistem em perguntar se ele vai ou não fazer isso. O que disse foi que estaria aberto a fazer acordos como tem acontecido ultimamente em alguns assuntos. E há muita coisa que se podia fazer muito melhor sem ser necessário mudar leis. Portugal é que tem a mania que sempre que tem um problema arranja uma lei nova. 

Já no ano passado considerava que o aumento do salário mínimo era uma imprudência, agora que está nos 580 euros como vê essa subida?

Encaro muito mal por duas razões. Por um lado, a diferenciação salarial tem um efeito de estímulo à qualificação profissional das pessoas. Se houver diferenciação salarial entre aqueles que têm ordenados mais baixos porque têm baixas qualificações e os que têm salários mais altos porque apresentam mais habilitações e qualificações acaba por criar um estímulo à qualificação. E isso é bom porque o país precisa de se qualificar para o futuro. Quando começamos a ter o salário mínimo muito perto do salário médio reduz-se fortemente esse estímulo tanto para os que já estão empregados como também para os que vão entrar em idade ativa. Se um licenciado vai ganhar 900 ou 1000 euros e uma pessoa com menos habilitações vai ganhar 600 euros então deixa de existir essa diferenciação e muito provavelmente começa-se a achar que não vale a pena estudar. E depois há um outro aspeto, que é um objetivo político, que considero negativo, que é a tentativa de destruir o acordo social obtido ao nível das empresas porque os trabalhadores começam a ter a sensação que aquilo que o governo fixa é que conta e não aquilo que as empresas podem pagar, o que acaba por criar um espírito de funcionário em toda a gente. 

Por falar em empresas, como vê a questão da Autoeuropa?

Estagiei, em 1968, com estatuto de operário na Alemanha e sei como o sistema funciona. Há uma grande tradição na concertação interna ao nível das empresas, desde que tenham uma determinada dimensão. A maior parte das medidas de reestruturação da indústria automóvel que, antes da agenda de 2000, estavam numa situação muito complicada, foram negociadas com as comissões de trabalhadores. A solução que se tem encontrado na Autoeuropa é uma solução que só poderia ser implementada numa empresa com aquela dimensão e que teve sempre como arma a possibilidade de sair do país. Há ali determinadas condições que têm criado algum equilíbrio na negociação. É frequente ouvirmos desde o Jerónimo de Sousa ao Pacheco Pereira a dizer que houve um desequilíbrio no poder na empresa. Isso é um disparate. Na maioria das empresas onde  é possível organizar os trabalhadores de uma forma sindical há um desequilíbrio a favor dos trabalhadores e contra a empresa e é por isso que elas fecham. Foi o que aconteceu com a Opel e qualquer dia pode acontecer com a Autoeuropa. O que pesa aí é a percentagem de pessoas acima de uma determinada idade que começam a pensar que podem receber de indemnização dois ou três meses por cada ano de casa – e muitas das multinacionais fecham atividade em Portugal com acordos desse género – começam a imaginar que podem receber isso de uma só vez e ter à sua disposição dinheiro que nunca pensaram ter e deixam de se preocupar com o fecho da empresa. Foi o que aconteceu na Opel, não vi ninguém a queixar-se.

O problema são os trabalhadores mais jovens…

Têm de se manifestar e de votar. O problema que temos em Portugal é que os mais jovens têm uma participação eleitoral muito mais baixa do que os mais velhos. E como é natural, os partidos vão à procura dos objetivos que satisfaçam os reformados e não os que estão a começar a trabalhar.

Acha que os sindicatos estarão a comprometer o futuro da fábrica?

Quando há pessoas que tinham um papel tão importante como tinha António Chora é natural que surjam alterações quando eles saem dessa estrutura e, até que se ajuste outra vez, demora algum tempo. 

O presidente da CIP chegou a afirmar que CGTP estava a pôr um vírus…

Não tenho informação suficiente sobre o que está a acontecer internamente e porque é que está a haver uma forte contestação à atual comissão de trabalhadores. Mas é evidente que os sindicatos nunca gostaram da solução que sempre foi encontrada na Autoeuropa. É uma das empresas mais importantes para Portugal em termos de exportação e os sindicatos sabem que não têm ali qualquer influência e que não encontram maneira de a parar. Os sindicatos atuam muito por chantagem: ou fazem as coisas como nós queremos ou então fazemos greve. E na Autoeuropa não têm conseguido fazer isso. 

E agora também em cima da mesa está a ameaça da PSA de Mangualde… 

Ninguém pode ficar admirado se a indústria automóvel vier a atravessar um momento muito difícil porque os fabricantes europeus estão fortemente dependentes do diesel. Mas nos últimos 10 anos a percentagem do parque automóvel europeu a diesel baixou de 50 e tal para 40 e tal por cento. Portanto, toda a organização de produção dessas empresas vai ter de sofrer uma reestruturação profunda e é natural que não seja necessária tanta capacidade. Todos sabem que os motores elétricos são mais simples, têm menos componentes, são mais fáceis de montar e têm menos avarias. Tudo isto indicia que irá existir menos emprego no setor. Estamos um bocadinho a brincar como o fogo se piorarmos as condições que essas empresas têm em Portugal. 

E estes conflitos poderão impedir a entrada de novas empresas?

Temos competências praticamente em todas as áreas e há muitas coisas na área automóvel que podemos fazer de forma a criar empregos que, eventualmente, poderão compensar o desemprego que irá aumentar em outras áreas da indústria automóvel. Mas, para isso, é preciso é que haja gente que queira e que tenha entusiasmo, aspetos que acredito que com o avançar da idade se vão esmorecendo. É por isso que defendo que as empresas devem ser renovadas constantemente e que é preciso ter gente nova a entrar porque são eles que trazem entusiasmo e uma visão diferente. 

Para isso é necessário ter salários atrativos…

Não sei se há muitos problemas nessa área. O pacote salarial pode atrair muitas pessoas, mas há muitas outras que preferem ter uma carreira internacional e a questão do salário fica para segundo plano. Um jovem que queira ter uma atividade internacional em determinado setor e se lhe aparecer uma oferta em Copenhaga, em Londres, em Paris ou em Berlim, mesmo que as condições não sejam melhores do que as que se oferecem cá, ele vai olhar para essa oferta de outra maneira porque é isso que quer fazer. O Fórum chegou a fazer um inquérito às pessoas que saíram do país e mais de 50% estavam empregados, mas tinham a ambição de ter um futuro profissional diferente e queriam integrar-se numa organização com impacto mundial. Quem está muito interessado em fazer uma carreira no setor financeiro não há de olhar mais Londres do que para Lisboa? É evidente que sim e nas diferentes áreas da vida há países que são mais competitivos do que outros. O projeto da União Europeia é isso mesmo, uns países têm de especializar mais em determinadas áreas e outros noutras. Se as pessoas querem apostar na arquitetura vão para Barcelona ou para Milão, mas se querem fazer finanças vão mais rapidamente para Inglaterra do que para França e se preferirem biotecnologia rapidamente vão para a Dinamarca. Em Portugal é que não podemos ter setores especializados em todas as áreas com a dimensão que temos. 

Por falar em sistema financeiro, a banca portuguesa está mais tranquila?

Mas ainda não acabou, parece-me. Felizmente já nos esquecemos disso, mas a resposta da União Europeia à crise foi péssima, desde aquela incompreensível decisão de Trichet de subir as taxas de juros contra aquilo que era de esperar até à dimensão do envelope financeiro que para Portugal foi insuficiente e que não continha dinheiro suficiente para tratar de todos os problemas da banca. Ao contrário do que aconteceu com Espanha, em que toda a ajuda que recebeu foi para tratar exclusivamente o setor financeiro. Em Portugal chegámos a uma situação em que ninguém queria mexer no problema da banca portuguesa e quando estou a falar de ninguém estou a falar das instâncias europeias. O que aconteceu na Caixa Geral de Depósitos não representou nenhuma surpresa. Todos víamos nos jornais empréstimos que eram autorizados. Conclusão: agora somos todos obrigados a pagar a fatura. 

E por último como vê o ministros das Finanças a liderar o Eurogrupo?

É positivo porque o vai ajudar a explicar aos colegas do governo que se tem de gastar com contrapeso e medida. Temos há dezenas de anos o problema do ministro das Finanças não ter um peso maior na estrutura do governo. E isso é que explica que se tenha convivido com a elevada despesa pública ao longo dos anos. E Mário Centeno tem vindo a ganhar mais peso pelo exercício e pelos resultados que apresenta. O dr. Mário Soares também gostou muito ter como ministro das Finanças o dr. Ernâni Lopes para conduzir o ajustamento do segundo acordo com o FMI, mas a certa altura estava farto dele porque estava a prejudicar eleitoralmente o seu futuro. Portanto quando se vive uma situação de emergência toda a gente gosta de ter um ministro das Finanças que tenha um pulso firme, mas a partir daí ninguém quer.