Rui Rio em busca da felicidade

O novo líder deixou cair a bandeira da “reforma da justiça”. Quer pactos de regime sobre Segurança Social e descentralização. Um discurso ponderado, mais social-democrata, agregador.

Foi Thomas Jefferson que meteu no texto da Constituição dos Estados Unidos a frase “a procura da felicidade”, talvez a mais perfeita sentença algum dia escrita num texto de fundação de um país.

Rui Rio pegou em Jefferson, no discurso da sua “inauguração” enquanto novo líder do PSD, quando prometeu que a partir de hoje irá começar a trabalhar “numa alternativa social-democrata que volte a trazer aos portugueses esperança e confiança” e “que nos traga aquilo que necessitamos para que todos possam ter condições de poder construir mais facilmente a sua felicidade”.

“Afinal, no fim e no princípio de tudo é a procura da felicidade que, sem excepção, a todos nos move”. Foi assim que o novo líder social-democrata terminou um discurso sereno, onde apresentou ideias agregadoras e marcou o regresso do partido aos fundamentos da social-democracia versão PSD.

Mas o objectivo da felicidade foi afirmado logo no início Rui Rio fez questão de reposicionar o seu partido relativamente ao “neoliberalismo” do seu antecessor: “Os objectivos de natureza social são a meta que nos tem de orientar. Governar para as pessoas, procurando contribuir para que elas possam mais facilmente construir a sua felicidade, é a razão de ser da actividade política. Quando assim não é, ela perde sentido e torna-se num elemento contrário à razão da sua própria existência”.

Mas, como diria Manuela Ferreira Leite, apoiante de Rui Rio, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Se Rui Rio se apresenta com um tom muito mais social-democrata do que os últimos anos de liderança do PSD apresentaram, faz questão de fazer separações com a actual solução de governo: “Governar para as pessoas não é só distribuir simpatias e conceder-lhes cada vez mais direitos. Quantas vezes governar para as pessoas não passa por definir primeiro as obrigações que permitem a construção dos direitos que pretendemos conquistar?”.

E foi nessa altura que citou Helmut Schmidt, antigo chanceler alemão, social-democrata e referência dos socialistas europeus: “Helmut Schmidt insistiu nesta ideia vezes sem conta, com a sua preocupação de garantir a sustentabilidade do modelo da sociedade que construímos e que queremos manter e desenvolver”, disse Rio, completando em seguida com uma frase de um dos pater familiae da social-democracia europeia: “Precisamos de uma moral pública: sem obrigações os nossos direitos não conseguirão perdurar no tempo”.

“É com estas duas ideias” que Rio se propõe “governar Portugal”: “A par de uma luta estruturada contra a pobreza, uma partido social-democrata tem na classe média o principal foco da sua acção. Quanto maior e mais robusta ela for, menos pobreza teremos e melhor viverá a maioria dos portugueses”. Estava dado o sinal do regresso às raízes da social-democracia, aquele misterioso lugar onde a ala esquerda do PSD e boa parte do PS se encontram.

Segurança Social, descentralização

Rio enunciou os dois principais temas para os quais quer acordos de regime com “os partidos”, o que na prática significa com o PS: a Segurança Social, a descentralização, a quebra demográfica, o apoio aos idosos, a saúde.

Sobre a queda da natalidade: “Temos de identificar e sistematizar as principais razões pelas quais os casais têm poucos filhos e consensualizar um conjunto de medidas drásticas e duradouras no tempo, de molde a produzir o choque cultural que temos de conseguir”.

Sobre a Segurança Social: “30% da despesa pública com pensões tem origem no Orçamento de Estado (…) É imprescindível pensar globalmente o sistema, as suas prioridades e os efeitos que se pretendem sobre a economia. Mas esta reflexão tem também de ser guiada pela dimensão humana e pelos princípios do Estado social que temos de defender. Temos de atuar enquanto é tempo”.

Rui Rio quer uma reforma “que confira justiça, racionalidade económica e sustentabilidade à Segurança Social”. “É este o desafio que o PSD faz ao governo, aos demais partidos e aos parceiros sociais”.

A crítica ao governo foi devastadora na área da Saúde. “Urgências caóticas, serviços de internamento permanentemente sobrelotados, falta de recursos humanos, desertificação de médicos no interior do país, défice de investimento, deficiente manutenção de equipamentos, atrasos nos serviços de emergência médica e cativações cegas são exemplos claros da deterioração a que o actual governo tem conduzido o SNS. Não podemos aceitar um empobrecimento como este a que temos vindo a assistir”. O PSD vai exigir do governo “medidas que voltem a dar ao SNS a eficácia e capacidade de resposta a que ele sempre nos habituou”.

Se Rui Rio foi bastante crítico na política de Educação do actual governo, considerando-a um “retrocesso” relativamente ao anterior, a descentralização foi um dos principais mantras do discurso. “Os países mais atrasados são aqueles que tudo concentram e tudo centralizam (…) Será que os institutos públicos têm de ter todos a sua sede na capital, mesmo que sejam ligados à agricultura, às pescas ou à floresta? Será que o Tribunal Constitucional ou a Provedoria de Justiça não poderiam estar localizados por exemplo em Coimbra?”.

Rio defende “uma estratégia enquadrada numa Reforma do Estado, capaz de garantir um país mais equilibrado territorialmente e com uma melhor e mais rigorosa gestão da despesa pública”. Ex-autarca, currículo de que se orgulha várias vezes, Rio afirma que o dinheiro é melhor gerido pelos autarcas. “Quanto mais proximidade na gestão, maior é a capacidade e competência para se gerir a despesa pública com rigor e eficácia (…) Quem trouxe a dívida pública para os patamares da irresponsabilidade foi a administração central”.

Para resolver tudo isto, Rio está aberto ao diálogo. “Se não houver coragem de enfrentar os mais pesados problemas de Portugal, não será nunca por falta de empenho, dedicação e abertura ao diálogo por parte do Partido Social-Democrata”.

E, apesar da quase inexplicável escolha de Elina Fraga para a Comissão Política, Rui Rio não formalizou a “reforma da justiça” como prioridade. Quando falou da Justiça, juntou-a à Defesa e à Segurança: “A Defesa Nacional, a Segurança ou a Justiça são claramente áreas onde Portugal tem vindo a acumular deficiências, por força de um Estado que não tem estado à altura das necessidades do país”. E ainda: “Se com a Justiça o descontentamento dos portugueses é por demais evidente há muito tempo, também a Segurança vai mostrando fragilidades como, muito recentemente, os fogos florestais deixaram bem patente em todos nós”. Uma bandeira que caiu ou ficou, só por agora, a meia-haste?