Sporting. Guerra ao pensamento livre chegou a Alvalade

Após ver legitimados e aprovados todos os pontos na AG, e assim reforçada a sua posição como presidente leonino, Bruno de Carvalho ordenou aos adeptos que boicotem todo e qualquer meio de comunicação que não os veículos oficiais do clube. Logo depois, jornalistas foram agredidos

Bruno queria, Bruno teve. Mais de 5 mil adeptos do Sporting marcaram presença na Assembleia-Geral deste sábado e quase 90 por cento aprovaram os três pontos que o presidente leonino havia colocado na ordem de trabalhos: alteração dos estatutos (87,3 por cento), regulamento disciplinar (87,8 por cento) e continuidade dos órgãos sociais (89,55 por cento). Resultados que reforçaram ainda mais a posição de Bruno de Carvalho como líder máximo do clube… e o levaram a proferir um dos discursos mais polémicos dos seus dois mandatos – o que não é tarefa fácil, diga-se.

Tomando a palavra, o presidente do Sporting ordenou aos adeptos do clube que façam um boicote a todo e qualquer veículo de comunicação social que não os órgãos oficiais do próprio Sporting (canal de televisão e jornal), pedindo também aos comentadores afetos ao clube para abandonar “de imediato” os programas onde desempenham atualmente essas funções. “Ponto nº 1: a partir de hoje não compramos mais um jornal desportivo, onde incluo também o ‘Correio da Manhã (CM)’. Ponto nº 2: não vejam nenhum canal português de televisão, a não ser o do Sporting. Ponto nº 3: que nenhum sportinguista aceite ser comentador de nenhum canal a não ser a Sporting TV. Só assim podemos ser diferentes. Comentadores: abandonem aquela vergonha de paineleiros e cartilheiros”, disparou.

Logo após o fim do discurso a fazer lembrar outros tempos e outros líderes – quem sabe alguma coisa de História mundial que tire as suas conclusões -, alguns jornalistas que se encontravam no Pavilhão João Rocha a cobrir o evento foram insultados e sofreram tentativas de agressão por parte de adeptos leoninos. Muito surpreendente, certo?…

 

Boicote em formato digital Este domingo, o Sindicato dos Jornalistas tomou uma posição. Em comunicado, acusou Bruno de Carvalho de “tentar limitar a liberdade de imprensa e condicionar o trabalho dos jornalistas”, manifestando o desejo de reunir “com caráter de urgência” com o Governo, a Liga Portuguesa de Futebol, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). “O Sindicato Jornalistas (SJ) considera que as declarações proferidas, durante a Assembleia Geral do Sporting, por Bruno de Carvalho contra os jornalistas têm um teor claramente antidemocrático e insta a comunicação social portuguesa a adotar uma resposta coletiva. Não é a primeira vez que Bruno de Carvalho revela não conviver bem com a comunicação social e, consequentemente, com a liberdade de imprensa, pilar fundamental de uma democracia”, pode ler-se na missiva.

No mesmo documento, o SJ sublinha que o futebol “tem uma presença relevante e constante” em Portugal e, por essa razão, lembra que “os dirigentes desportivos têm uma grande responsabilidade em garantir que o desporto contribui para o bem-estar social e não alimenta climas de ódio e perseguição”. Revela ainda que vai “avaliar judicialmente o teor das declarações do presidente do Sporting, impróprias de um cidadão de um país democrático, e pedir reuniões urgentes com as principais forças de segurança, no sentido de assegurar a proteção dos jornalistas que cumprem o papel que lhes cabe: informar a sociedade”.

Também o CNID (Associação dos Jornalistas de Desporto) condenou de forma veemente o discurso de Bruno de Carvalho, considerando que o teor do mesmo criou “um desnecessário problema aos profissionais da comunicação social que estavam a trabalhar naquela reunião”. “O presidente do Sporting tem direito a não gostar de jornais e televisões, por absurdo até tem direito a pedir aos seus consócios que não comprem jornais nem vejam televisão, mas exige-se ao presidente de um clube com a dimensão do Sporting a serenidade necessária em momentos de grandes concentrações de pessoas. Foi uma forma gratuita de provocar acontecimentos que só podemos considerar graves até porque absolutamente evitáveis”, referiu.

Poucas horas depois, e apesar destas reações, o diretor de comunicação do Sporting, Nuno Saraiva, entendeu por bem publicar, via Facebook, a lista específica de coisas que os sportinguistas “não devem fazer”. “Ver ou participar em programas de debate desportivo, ser convidados a falar de temas do Sporting, escrever artigos que não sejam para o Jornal Sporting, falar sobre o Sporting às rádios, passar links de OCS [órgãos de comunicação social] nas redes sociais, comprar jornais desportivos e também o CM, ou ver canais portugueses sem ser por lazer ou a Sporting TV”, escreveu, ele que é um… ex-jornalista, com passagens pela Rádio Renascença, TSF, “Expresso” e “Diário de Notícias”, onde exercia as funções de sub-diretor antes de assumir o cargo que desempenha atualmente no Sporting.

 

Modalidades de boca fechada Para já, esta posição dos leões acabou por se repercutir na ausência de transmissão em direto da conferência de imprensa de Jorge Jesus para antevisão do Tondela-Sporting desta noite por parte da RTP3, da SIC Notícias e da TVI24. Uma decisão adotada em conjunto pelas direções dos três canais generalistas, que ainda assim marcaram presença no local – terá ficado estabelecido que fariam apenas a recolha de imagens e declarações do técnico, a ser transmitidas mais tarde.

Jesus, de resto, abordou o tema. Questionado, de forma bastante direta, sobre a sua posição em relação às declarações de Bruno de Carvalho na véspera, Jorge Jesus respondeu desta forma: “Se tiver que lhe dizer algo, direi em privado, como tantas vezes faço.” Ainda assim, o treinador do Sporting garantiu acreditar que a comunicação social “tem influência” no rendimento das equipas. “Em Portugal há três jogos, como eu já disse uma vez, mas hoje só vou falar em dois: há o jogo dentro do campo e há o jogo da comunicação. Ninguém tenha dúvidas. A comunicação influencia, pela positiva e pela negativa, os adeptos, as equipas, tudo. Influencia as equipas e depois influencia ainda muito mais os adeptos”, salientou.

Entretanto, os ecos da posição adotada pela direção leonina fizeram já sentir-se noutras modalidades. Tanto no Campeonato Nacional de Clubes de atletismo, realizado em Pombal, como no final da Volta ao Algarve em bicicleta, em Loulé, os atletas do Sporting recusaram-se a falar aos jornalistas, explicando estar a cumprir instruções da direção do clube.