Rally Mongol. Cinco amigos, um carro velho, 24 países e 16 mil quilómetros

Partem sem rede de segurança, num carro velho, e cheios de vontade de ajudar. Estes são os Carapaus de Corrida, que vão de Guimarães à Rússia para mostrar que viajar pode ser mais do que comprar uma viagem barata na Ryanair

À partida, isto tem tudo para correr mal. Afinal, falamos aqui de cinco amigos enfiados num carro durante 50 dias, a atravessar dois continentes. Ah, um pormenor: esse carro tem de ser pequeno e não pode ultrapassar os 1200 de cilindrada (isto tudo para não traduzir a expressão oficial: “shit car”).

Este pormenor do transporte é apenas uma das poucas regras desta aventura. No Rally Mongol, o que conta é chegar ao fim numa viagem que, no caso deste grupo de portugueses, começa em Guimarães e termina em Ulan Ude, na Rússia. “Achámos que seria simbólico dar início a esta aventura no sítio onde nasceu Portugal”, explica ao i um dos Carapaus de Corrida, como passaram a ser conhecidos.

Zé Oliveira serve de porta-voz ao grupo de cinco amigos que em comum têm, além da profissão, o gosto pelas viagens. Quatro deles conheceram-se no curso de Geografia e Rui, professor de Físico-Química, juntou-se à equipa quando casou com Carla que, além de ser a única mulher do grupo, é também a mais viajada. Em casal, criaram o blogue Viajar entre Viagens, considerado o “blogue com melhor conteúdo” do ano nos Travel Blogger Awards.

Mas se foi Carla a dar o impulso de que o grupo precisava para passar da ideia à prática, foi Zé que chamou a atenção para este evento com cariz solidário. “Em 2015, numa viagem à Ásia Central, vi no Usbequistão um carro que me chamou a atenção, por ser velho e estar cheio de mapas”, conta ao i. O proprietário falou-lhe do Rally Mongol e, mal chegou a Portugal, aproveitou um dos muitos jantares do grupo para lançar o desafio: “E se fizéssemos isto?”

A ideia foi marinando, mas só quando Carla disse “vamos” é que o plano avançou. “Todos nós sabemos que quando ela diz sim, a coisa acontece”, garante Zé.

Aventura solidária Premissa para participar neste rally: a viagem tem de ser feita no tal carro velho e, entre a partida e a chegada, a organização não oferece qualquer tipo de assistência. Além disso, a viagem tem de ter um cariz solidário.

Para a falta de assistência contam com o tão português desenrascanço, que nunca os deixou ficar mal em viagens anteriores. Curiosamente, de todos estes itens, o mais difícil de cumprir, para já, tem sido encontrar um carro de baixa cilindrada, mas onde caibam cinco pessoas. “Estamos à procura e há de aparecer algum”, acreditam.

Já o cariz solidário está mais que tratado, ainda que a solidariedade não tenha propriamente um limite. Neste caso, um dos pressupostos para a inscrição é que o grupo angarie mil libras para caridade, divididas entre a Cool Earth, a organização não governamental oficial da prova e que luta contra a desflorestação e as alterações climáticas, e uma outra à escolha. “Optámos pelas Aldeias SOS Internacional, até porque percebemos que passaremos por muitas ao longo do percurso”, explica Zé.

Lançaram um crowdfunding que terminou há 15 dias com mais de sete mil euros arrecadados. Parte vai ser usada para a inscrição na aventura e para o valor da caução, e tudo o resto será investido numa bagagem que parte de Guimarães cheia e deverá voltar vazia. Até porque, se falamos de um grupo de professores, seria impossível passarem por escolas sem condições sem deixar um contributo. “Queremos levar material escolar e até dar umas aulas de geografia, mostrar ao mundo o que é Portugal”, explica Zé.

Quantos cabem num mini Tendo em conta que o carro que procuram nunca passará a dimensão de um Clio ou de um Micra, esperam encontrar uma transportadora que leve os livros, os cadernos e as pastilhas para purificar água – outros dos itens em que querem apostar – até às aldeias escolhidas pelo grupo. “Não se esqueçam que somos cinco e que escolhemos fazer a viagem em 50 dias, todos juntos, num carro pequeno”, lembra Zé, como se com cada item que junta à lista começasse a traçar o cenário daquilo que vai ser este rali.

Embora a organização dê liberdade quanto ao percurso e às datas de partida e chegada, foi o calendário escolar a reger os timings desta aventura. “Vamos na segunda quinzena de julho, logo a seguir aos exames nacionais, e dia 3 de setembro temos de estar prontos para nos apresentarmos ao serviço novamente”, explica Zé.

É neste espaço que estimam ser de 50 dias que pretendem passar por países como Eslovénia, Croácia, Sérvia, Turquia, Arménia, Turquemenistão e Mongólia. “Somos quase todos professores de Geografia e, por isso, um bocado geeks com as viagens. Queremos sempre passar pelo maior número de países possível”, conta Zé. É por isso que o traçado do mapa que criaram em conjunto vai ziguezagueando por essa Europa e Ásia fora até chegar ao número que têm como objetivo final: 24 países.

Não estão preocupados com a logística de dormidas e comidas, contando para isso com a ajuda de quem os vê passar. “Queremos ao máximo estar em contacto com a população. Se nos oferecerem uma refeição, aceitamos.” Assim como uma cama, uma vez que vão dormir maioritariamente em tendas de campismo. Assim que se lembra da falta do colchão, Zé não deixa de recordar o relato do pós–rali de um português que participou no ano passado. “Dormiu tantas vezes acampado que, quando voltou a casa, acabou por montar uma tenda na sala”.

É com este espírito descontraído que estes “maluquinhos das viagens”, como já têm ouvido, partem para esta viagem com o lema do rali em mente: “Se nada der errado, está tudo errado.”