22 de fevereiro de 1971. Lurdes Norberto trouxe Marylin a Lisboa como uma vela ao vento…

“Depois da Queda” era uma peça de Arthur Miller levada à cena por Artur Ramos. Teve muito de revolucionário para a época. E era profunda no seu combate infinito entre a culpa e a inocência. Rogério Paulo fez  de Quentin/Miller. O trabalho assentou sobretudo nos seus ombros. Críticas ferozes, elogios vários. Um momento importante na…

Marylin Monroe em Lisboa. E Arthur Miller. E Joseph McCarthy. Ou melhor, sobre o palco, Lurdes Norberto a fazer de Marylin.

“Depois da Queda” (“After the Fall”): peça de teatro escrita por Arthur Miller.

Miller contando-se a si próprio.

Contando Marylin, mulher da sua vida.

Contando o senador que quis mudar a face dos Estados Unidos da América. 

Motivos mais do que suficientes para atrair público, muito público.

Encenador: Artur Ramos.

Tentou um ou outro toque revolucionário.

Volta e meia, o cenário esvaziava-se. Os diálogos desenvolviam-se à luz de slides.

Quentin, um dos personagens, falava directamente para os espetadores. Toda a mensagem abrangia o completo.

“Não, isto não é uma peça sobre Marylin Monroe. Ela está lá, bem como Miller e McCarthy, mas o autor quis ir muito mais fundo. Quis abranger um problema fulcral do nosso tempo: a dialéctica entre a culpa e a inocência”, dizia Salazar Sampaio, um dos tradutores.

Escrevia Carlos Porto, um dos grandes críticos teatrais do seu tempo: “A presença constante e obsessiva da torre do campo de concentração que marca o circuito que a peça de Miller percorre: e que vai historicamente da Depressão a Hitler, deste a McCarthy e, pessoalmente, da mãe aos amigos que traem ou se recusam a trair, desta a Louise, sua primeira mulher, a Marylin e a Olga, sua última mulher.”

Centro Quentin, o tal Quentin, está no centro da acção. 

Ou seja, Quentin é Miller.

Quentin é Rogério Paulo.

Quentin quer organizar o caos ao mesmo tempo que é absorvido por ele. Mãe, mulheres, amigos, o amigo que trai e passa a delator.

Os vermelhos que são para McCarthy os inimigos.

Ele que vê vermelhos por toda a parte, esse comunismo fantasmagórico que o atira para os braços de uma disfunção intelectual profunda.

Marylin morrera já.

Marylin: pai incógnito, mãe louca, violada aos nove anos, ponto mais alto da infância e da ternura, casada com um polícia aos 16, em seguida com DiMaggio, ídolo do basebol, depois ainda com Miller, o dramaturgo.

Marylin antes de partir para a planície da eterna saudade: “Não serei nunca mercadoria que se vende ou que se compra. Mas, no entanto, há muita gente que me viu sempre assim, sobretudo uma determinada companhia que não irei nomear.”

Desabafo com um resto por desabafar.

Bernard Dort, actor, escritor, ensaísta francês: “Marylin lutou sempre e, por isso, a assassinámos. Todos nós e não apenas Arthur Miller, como pretendem alguns, lavando as mãos.”

“Depois da Queda”. Miller culpa os outros, mas não se inocenta.

Os jornais destacam que a interpretação dos actores portugueses é muito prejudicada pelo carácter esquemático da peça. “Apenas escapam Lurdes Norberto e Rogério Paulo, e ainda um pouco Laura Soveral”, sublinhava Carlos Porto. “Eduarda Pimenta viu a sua personagem sair falhada. As outras vítimas são José Gomes, Luísa Neto (não é possível representar com aquela voz), António Montez, Libânia Monteiro, Victor de Sousa. A peça assenta nos ombros de Rogério Paulo, que nunca sai de cena. Lurdes Norberto trouxe uma vida e uma alegria que, como personagem, também poderiam defini-la.”

Miller confessando-se, palavra após palavra.

A sombra negra de McCarthy no fundo vermelho da sua obsessão.

Culpados e inocentes.

Lisboa recebeu Marylin por interposta pessoa. Afinal, uma espécie de fantasma. Ou uma vela ao vento…