Fizz. Créditos mais flexíveis, as siglas mistério e os bancos correspondentes

Foram ouvidos hoje no Campus da Justiça o ex-vice-presidente do BPA André Navarro e a antiga compliance officer Sandra Osório

Fizz. Créditos mais flexíveis, as siglas mistério e os bancos correspondentes

O antigo vice-presidente do Banco Privado Atlântico André Navarro negou hoje em tribunal a tese da acusação de que terá recebido ordens do ex-governante angolano Manuel Vicente para dar um tratamento especial ao antigo procurador Orlando Figueira, quer para a abertura de uma conta, quer para a concessão de um empréstimo. A testemunha contradisse ainda tal versão, que dá conta de que Paulo Blanco – antigo advogado do Estado angolano – era intermediário nas conversas que tinha com Vicente, acrescentando que tinha canal direto com o ex-vice-presidente de Angola, não precisando de mediação.

No caso Fizz, Orlando Figueira é suspeito de se ter deixado corromper por Manuel Vicente. O MP acredita que a troco de subornos que totalizaram os 760 mil euros acordou em acelerar e arquivar inquéritos que visavam o político angolano.

Perante o coletivo, André Navarro afirmou não conhecer “nenhuma instrução do engenheiro Manuel Vicente para a concessão do financiamento” e fez um comentário crítico à investigação sobre a alegada influência do banqueiro Carlos Silva neste processo: “A ideia de que um presidente de um banco dá instruções para a concessão de um empréstimo… não é assim. As coisas não funcionam assim.”

Sobre a falta de garantias reais dadas por Orlando Figueira, Navarro lembrou que tratando-se de um cliente do private, as coisas não podem ser vistas como são para os clientes do retalho, ou seja, os dos bancos comuns. “As operações no private são mais complexas. Até pela relação com os clientes, pelo montante. Implica outra complexidade”, rematou, admitindo que é possível nestes casos uma maior flexibilidade.

As siglas que o ex-vice-presidente do BPA não conhece A  manhã de hoje do julgamento ficou ainda marcada pelas questões do advogado Rui Patrício, que representa o arguido Armindo Pires (homem de confiança de Vicente), sobre as siglas encontradas nas anotações do BPA relativas ao perfil de Orlando Figueira.

Ontem, perante a frase “trata com o PCA”, Navarro já tinha dito que não sabia ao certo o que queria dizer, não arriscando que se tratava de Presidente do Conselho de Administração, ou seja, Carlos Silva. Hoje o advogado insistiu ainda sobre qual seria o significado de siglas como “SCI Conservador”, “ATL” e “DOF”, mas o antigo vice-presidente do BPA recusou dizer com certeza o que poderiam significar tais letras.

Bancos correspondentes e as dificuldades para o MP Esta tarde foi a vez de ouvir a testemunha Sandra Osório, antiga compliance officer do BPA Europa, que disse recordar-se da transferência de 210 mil dólares por parte da Primagest para Orlando Figueira, referindo que para justificar tal movimentação foi solicitada documentação ao cliente.

Segundo o antigo procurador do DCIAP tratava-se de um ano de salário adiantado, algo que não surpreende Sandra Osório: “O facto de a pessoa estar a desvincular-se de uma profissão de anos, pode fazer com que seja normal ter o contrato em mão e os salários à cabeça. Nós vimos outros contratos assim também”.

Grande parte da sessão da tarde foi, no entanto, dedicada à transferência de 265 mil euros para Andorra. O dinheiro saiu do BPA Angola para a conta de Andorra, passando pelo BPA Europa, algo que a responsável justificou com o facto de em todas as transferências internacionais serem necessários bancos de correspondencia – o do BPA Angola, diz, para a Europa era o BPA Europa.

A acusação defende que “com tal procedimento ficariam diminuídas as possibilidades desses pagamentos serem detetados pelas autoridades portuguesas”. E a procuradora Leonor Machado reforçou esse entendimento hoje, lembrando que ainda que tudo tenha deixado registos até no banco correspondente (BPA Europa), os mesmos não ficavam associados a Orlando Figueira, dado que o dinheiro estava em trânsito com destino a outra entidade bancária.

Ainda que admitindo a maior dificuldade para o MP português de rastrear esse dinheiro como estando ligado a Orlando Figueira, a testemunha disse ser esse o procedimento normal para todas as transferências internacionais, afirmando desconhecer o porquê de Orlando Figueira ter aberto conta em Andorra.

“Once a PEP, always a PEP” Questionada sobre o porquê de Orlando Figueira ter continuado a ser classificado como pessoa politicamente exposta (PEP) após ter saído do DCIAP, Sandra Osório concluiu que a regra é “once a PEP, always a PEP” (uma vez PEP, para sempre PEP).

Orlando Figueira aproveitou para reforçar o que já tinha dito, ou seja, que a conta que abriu em Andorra foi a pedido de Carlos Silva, dado que para a entidade patronal isso permitia uma evasão fiscal (crime que à data, diz, não existia em Angola).

A sessão terminou com o MP a pedir acesso aos CDs, que não estão disponíveis para consulta, onde constam todos os emails de Paulo Blanco, inclusivamente para Carlos Silva. O objetivo será fazer uma nova análise. A defesa já tinha criticado o facto de alguns emails relevantes não serem tidos em consideração, ao que o MP justificou com o facto de a busca informática ter sido feita com base em “descritores”, isto é, palavras específicas e alguns temas poderem ter ficado de fora.

Notícias do SOL, TVI e VISÃO relevantes para o processo A defesa de Paulo Banco pediu hoje para que sejam juntas aos autos notícias publicadas nos últimos dias pelo semanário “Sol” e pela “Visão” sobre as ligações de Proença de Carvalho a este caso.

A TVI também será notificada para enviar documentos a que teve acesso e cujo conteúdo divulgou num trabalho publicado ontem. O pedido partiu da defesa do assistente, mas a defesa de Armindo Pires contestou dado considerar que a documentação em causa já consta dos autos. O tribunal, porém, decidiu notificar aquela estação de televisão.