Economia portuguesa a reboque do exterior

No seu discurso de despedida, Passos Coelho justificou crescimento do PIB  com a conjuntura externa. O argumento vai ao encontro da maioria dos economistas contactados pelo SOL: dizem que ‘sabe a pouco’.

A economia cresceu 2,7 % no ano passado, mas esse crescimento tem de ser enquadrado com a conjuntura externa. A explicação de Pedro Passos Coelho no seu discurso de despedida no congresso do PSD não difere da opinião da maioria dos economistas ouvidos pelo SOL.

João Duque diz que este crescimento «é bom», mas também que Portugal não tinha grande espaço para crescer mais por estar não só está muito dependente das economias europeias, como também limitado com a questão de financiamento. «Para crescermos precisamos de aumentar a nossa capacidade exportadora e, para isso, temos de aumentar o investimento», refere o professor do Instituto Superior de Economia, lembrando que esse investimento está a ser muito fortemente canalizado para a construção e na sua maioria é feito com base em fluxos de capital externo.
«Neste momento temos necessidade de capital externo para crescer, vamos sempre crescendo à custa das exportações. O consumo interno está a retrair o crescimento do PIB e também estamos limitados no consumo público e não temos capacidade de o aumentar porque o ciclo é de contração do investimento público» alerta. 

Também Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, considera que é justo dizer que a evolução positiva beneficia de uma conjuntura muito favorável. «A nossa economia é uma economia aberta, integrada e tem muitas bases comunicantes com aquilo que são os nossos parceiros. Se olharmos para as exportações, elas assentam sobretudo em Espanha, Alemanha, França. E tudo isto depende daquilo que é a performance das economias dos nossos parceiros comerciais. Para o bem ou para o mal, e independentemente de quem esteja no Governo, estamos sempre muito condicionados por aquilo que acontecer lá fora», diz ao SOL. 

Ainda assim, o economista admite que esse cenário de dependência não representa qualquer novidade. «Isto é verdade hoje, era verdade há 20 anos e vai continuar a ser. Cabe depois a Portugal aproveitar esses ventos mais favoráveis», alerta.

Opinião contrária tem Eugénio Rosa, que considera que o argumento de Passos Coelho para o crescimento da economia está errado. «Isso é falso e não tem qualquer sustentabilidade na análise económica. Só pode ser dito por razões políticas ou por pura ignorância», afirma ao SOL. 

O economista licenciado em economia e doutorado pelo ISEG lembra que, a par do crescimento externo, o PIB também cresceu impulsionado pelo consumo privado e pelo investimento, com este último a aumentar quase 10% no ano passado. «Estes sinais são bastante positivos porque, nos últimos anos, uma parte da capacidade produtiva do país estava a ser destruída, o que não está a acontecer agora». 
 
Crescimento aquém de outros países 

Uma outra crítica feita por Passos Coelho diz respeito ao facto de existirem 13 países a cresceram «bem mais do que Portugal na Zona Euro», nos quais estão incluídos Chipre, Irlanda e Espanha, ou seja, países que passaram pelas mesmas dificuldades que Portugal.

Filipe Garcia lembra que há países – como Espanha e França – que já apresentam um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima dos níveis registados antes da crise, enquanto Portugal e Itália continuam a apresentar crescimentos inferiores ao que eram registados em 2008. «Alguma coisa aconteceu, todos eles estão a crescer e contaminados positivamente por esse ambiente externo que, em grande medida, é muito semelhante para todos estes países. Como se materializa em termos de crescimento é que cabe a cada país» determinar, diz ao SOL. 

O economista recorda que, nos anos de 2008/2012, Portugal foi prejudicado pela crise financeira e económica mundial, mas como tinha feito «mal o seu trabalho de casa ficou mais vulnerável e, como tal, sofreu mais os efeitos do que outros. Espanha estava só marginalmente melhor e sofreu menos».

Já João Duque garante que Portugal não aprendeu «nada» com a crise e dá uma justificação: «Não estamos a crescer internamente, o rendimento disponível dos portugueses continua a ser muito canalizado para as importações e importamos muito mais quando temos mais dinheiro na algibeira. Compramos mais telemóveis, mais carros, consumimos mais combustível e vai tudo para fora de Portugal», salienta.

Também no caso das exportações, segundo o economista, o exemplo não é melhor: «Se a economia abrandar, também abrandaremos e a minha expectativa é que se venha a assistir na Europa a um arrefecimento e ao exportamos 70% para a Europa é natural que se assista a uma retração, principalmente quando destes 70% cerca de 25% vão para Espanha», refere ao SOL.

Mas, apesar destes riscos, Filipe Garcia elogia o crescimento da economia que está há 17 meses consecutivos a subir, mas também reconhece que «sabe a pouco». E vai mais longe: «O que desilude um bocadinho é que Portugal desaproveitou uma oportunidade convergente porque a Alemanha já está com o PIB 11,5% acima dos níveis de 2008, a zona euro está 5,6% acima de 2008, enquanto Portugal está 1,35% abaixo do nível de produto em março de 2008».

Sem sobressaltos 

Os dois economistas concordam em relação à perspetiva de crescimento da economia portuguesa: não estão à espera de sobressaltos e acreditam na estimativa apontada pelo governo de 2,2% do PIB.

«Tenho poucos dados para estar dissonante em relação aos dados oficiais do Governo, só estamos com dois meses de atividade. E a perspetiva é que a economia mundial continue a crescer e que a economia da zona euro vá crescer mais ou menos ao mesmo nível de Portugal, ou seja, 2,2%. Se houver algum tipo de aceleração Portugal vai beneficiar, se houver uma crise financeira vamos ficar prejudicados. Mas, para já, como estamos a respeitar muitas das variáveis que eram esperadas não há grandes motivos para mudar de opinião», refere Filipe Garcia.

Uma opinião partilhada por João Duque que, ainda assim, lembra que quanto mais aberta é a economia portuguesa mais imprevisível é o seu comportamento. Uma questão que ganha novos contornos para o economista tendo em conta que o Estado tem falta de verba. «Se tivéssemos uma almofada e pudéssemos dizer que o governo tem essa verba para injetar algum dinamismo na economia nacional estava tudo bem, ou seja, o ‘pai’ entrava se fosse necessário. O problema é que o nosso ‘pai’ é o Estado e ele está falido. Num dia em que tivermos um problema o pai não pode entrar e, mesmo assim, só entra em situações limite e com autorizações de fora, como é o caso de evitar uma falência de um banco», conclui.