A arte de conversar

A conversa que constrói é hoje coisa rara: uns falam para se ouvirem, outros atropelam o que lhes está a ser dito

Seja por causa da televisão, dos smartphones, do ruído nas discotecas e restaurantes ou, simplesmente, de hábitos novos, no espaço de trinta anos perdeu-se a arte – e o prazer − de conversar. Nas barbearias, catedrais da conversa aberta nas tardes de sábado, ‘a tradição já não é o que era’. Umas queixas, uns resmungos, às vezes uns grunhidos… e por aí se ficam os que esperam vez. 

Conversar é construir um muro: este põe um tijolo, aquele o cimento, outro assenta mais um tijolo, e a parede cresce, até que no final está lá qualquer coisa, seja a convergência de pontos de vista ou a constatação das diferenças. Num ou noutro caso, a conversa enriquece, cada um ouve coisas que não sabia e todos ficam a saber mais.  

Nos tempos que correm, conversa que constrói é coisa rara. Uns falam para se ouvirem, debitam opiniões sucessivas sem cuidar da réplica; outros atropelam o que lhes está a ser dito, contestando antes de ouvida a frase completa; os incontinentes metralham palavras, à maneira da sogra de Mozart, caricaturada no filme Amadeus, na forma de galinha que ergue o pescoço para cacarejar mais alto. 

Também há ‘duetos de monólogos’, comuns entre marido e mulher, ou, se a conversa é a vários, temos a repetição da confusão da Torre Babel. E há ainda quem confunda conversa com entrevista: em vez de falarem, fazem inquirições, perguntam sem se aperceberem do momento em que já transpuseram a fronteira da privacidade dos outros. Nos casos mais trágicos, a conversa é mero despique, quando não quase zaragata, que demonstra a falta de respeito por quem pensa de modo diferente. Olhamos o nosso Parlamento e ficamos elucidados: sobra em insulto o que falta em política – que é, por natureza, confronto e debate de ideias na procura de entendimentos mínimos. Os ingleses têm uma fina distinção entre argument, discussion e debate, mas por cá não se cuida de tais delicadezas.

De todos, o vício mais alarmante, porque ameaça degenerar em pandemia, é aquele a que poderíamos chamar de ‘síndroma do disco riscado’. Esta forma de desconversar tem dois registos: a apropriação do ‘tempo de antena’ e o discurso circular, quando a agulha do gira-discos passa numa só espira, repetindo o mesmo andamento, três, cinco, sete vezes, sendo preciso que alguém mais corajoso erga a voz e diga: Pára!

Um dia, o presidente de um banco português ficou ao lado do líder do que era, à época, o maior banco do mundo. Por curiosidade, perguntou: «Como faz para gerir a sua agenda? O meu banco é uma partícula do seu e eu não tenho tempo para nada. Resposta do interlocutor: dou-lhe dois conselhos, primeiro, não reúna com mais de quatro pessoas, cinco à volta da mesa já é uma assembleia; segundo, não deixe que as reuniões vão além de meia hora. O que se espera de um presidente é que decida, não que debata».

Agora que se conversa em silêncio, com cada um a ‘dialogar’ com o telemóvel para falar com quem está longe ou próximo, vão ter de ser as escolas a ensinar a arte de conversar.