Parlamento. Primeiros passos de Negrão são os últimos de Passos

Hoje é o primeiro embate como líder da bancada da oposição do antigo diretor da PJ com o primeiro-ministro

É uma coincidência com simbolismo político. No primeiro dia em que Fernando Negrão conduzirá pela primeira vez um debate quinzenal à frente da bancada do PSD, Pedro Passos Coelho terá o seu último dia na Assembleia da República. Passos, que já anunciara a renúncia ao mandato parlamentar, entrará hoje pela última vez em São Bento como deputado eleito na corrente legislatura.

Na política, Negrão sempre teve sorte maior em funções parlamentares do que em funções executivas. Pelo menos, no que à durabilidade das funções diz respeito. Foi ministro de Santana Lopes, na conhecida brevidade que esse executivo teve, e foi também ministro de Passos Coelho, no governo dos 28 dias cuja brevidade é igualmente indesmentível. A direita, na ressaca de perder a maioria absoluta em 2015, apostou nele para presidente da Assembleia da República. Mas a esquerda – já nas núpcias parlamentares da ‘geringonça’ – chumbou-o e sentou Eduardo Ferro Rodrigues na segunda cadeira mais importante da hierarquia do Estado.

Hoje, Negrão está eleito e é líder parlamentar, na medida em que a esquerda não tem direito a opinião sobre a liderança parlamentar do PSD. E é nessas funções que digladia argumentos pela primeira vez com o primeiro-ministro.

Uma coisa é certa: Hugo Soares, que lhe antecedeu no cargo, não deixou saudades à bancada de governo ou do Partido Socialista. O seu estilo mais aguerrido, apesar de não ser do agrado de Rui Rio, que o dispensou, obrigou várias vezes António Costa a deixar as suas questões por responder ou a recorrer a tiradas mais coloquiais para dispensar o escrutínio.

Negrão chega com essa equação para resolver: não poderá ser muito parecido com Hugo Soares, cujo estilo Rio descarta, nem poderá ser muito diferente de Hugo Soares, pois isso equivaleria a não fazer oposição.

A quadratura do círculo, uma expressão agora menos controversa nos círculos laranjas, será mesmo essa: mostrar que a postura de diálogo entre Costa e Rio não inviabiliza uma oposição firme (e que não perca mais terreno para Assunção Cristas) por parte do PSD ao PS.

“Aquilo que interessa amanhã é ver se haverá um estilo confrontacional ou não. A descentralização, já se sabe, tem estado em cima da mesa. Mas não poderá ficar somente pelos temas da convergência. Há coisas para falar – e críticas a apontar -, nomeadamente na Saúde. Ignorar isso não teria nada a ver com consensos. Teria a ver com não fazer oposição”, esclarece um deputado rioísta, que não gosta de confundir “boas relações entre os partidos” com “preguiça parlamentar”.

“Fazer oposição também é do interesse nacional. Acho que todos sabemos isso”, encerra o mesmo, sem ponta de ironia.

Com Rui Rio fora do Parlamento – e a reunir com Costa antes de reunir com o CDS ou com o próprio grupo parlamentar do PSD -, a oposição também será puxada para fora da Assembleia da República. Rio – já escrevera o i em novembro passado – terá uma equipa em formato de governo-sombra, com fiscalização direta às pastas ministeriais. “Para haver autoridade nos pactos estruturais há que impor respeito no escrutínio parlamentar”, assume fonte da comissão política do novo líder social-democrata. “Mas repare que a aproximação pública a Costa também tem a ver com isso. O primeiro-ministro não pode sorrir para a fotografia ao lado do presidente [Rio] e ao mesmo tempo desrespeitar o PSD no Parlamento”, refere. Hoje, no primeiro debate quinzenal de Negrão, veremos se Costa subscreve essa tese. E se o ex-diretor da PJ será polícia bom ou polícia mau na nova relação entre os dois maiores partidos portugueses. 

A reunião é que interessa Algumas ansiedades, todavia, não estão focadas no dia de hoje mas sim de amanhã. A primeira reunião do grupo parlamentar com Fernando Negrão como líder da bancada – ainda com Luís Montenegro como deputado, mas já sem Passos – será esta quinta-feira e os críticos mais vocais à sua eleição sem maioria – e antes mais favoráveis à manutenção de Hugo Soares – esperam para ver. “O problema é que ele não tem só que enfrentar a bancada do governo. Também tem de enfrentar o seu próprio grupo parlamentar. Se escorregar no quinzenal, o ambiente não vai ser bom”, diz ao i uma deputada que não assumiu trincheira na disputa interna nem se manifestou publicamente acerca do tabu parlamentar. Negrão reuniu apenas 39% de votação favorável à sua candidatura – e, depois do debate de hoje, a tendência tanto poderá ser de melhorar como de degradar-se. Até agora, Rio não reuniu com os deputados do PSD – algo que “se tornará constrangedor” caso se prolongue por “muito mais tempo”, considera a mesma voz escutada pelo i.

Esta semana, à saída de um almoço no Palácio de Belém, Rui Rio pediu a uma jornalista que “deixe estabilizar” a bancada antes de aprofundar o elo entre a nova direção do partido e os deputados eleitos em 2015 com Passos Coelho.