‘Amigos dos animais’ e inversão de prioridades

O problema não é dos animais, mas dos seus donos que muitas vezes confundem a natureza dos animais obrigando-os a adaptarem-se a um meio que não é o deles. Será isto respeito pelos animais?

A entrada de animais em restaurantes e o problema de saúde pública decorrente da ocupação intensiva de cães nos jardins estão na ordem do dia e remetem para uma reflexão sobre a convivência entre pessoas e animais e, no limite, sobre a tentativa de ‘humanizar’ os animais. Estas circunstâncias revelam muito sobre a inversão de prioridades na sociedade e até sobre o egoísmo dos supostos “amigos dos animais”.

A Assembleia da República aprovou recentemente uma lei que permite a entrada de animais em restaurantes. Esta iniciativa traduz-se numa precipitação e numa irresponsabilidade. A proposta inicial obrigava todos os restaurantes a aceitarem a entrada de animais, recuando depois e deixando ao critério dos proprietários dos restaurantes a permissão de entrada de animais. Manteve-se a indefinição sobre as espécies admitidas, podendo ser cães, papagaios, ratos ou lagartos. Não ficou salvaguardada a saúde pública. Tudo isto sem o cuidado de ouvir antecipadamente a AHRESP (associação da restauração) sobre a proposta.

Entretanto, na Assembleia Municipal de Lisboa foi apresentada uma petição que defende a livre circulação de cães sem trela (conforme estabelece a legislação em vigor) num espaço verde da cidade.

Esta iniciativa de cidadãos em Lisboa é reveladora de uma intenção de oficializar uma prática que, embora ilegal, é de uso corrente em virtude de uma deficiente fiscalização.

Antes que se cometa mais uma precipitação, importa refletir sobre a situação atual da presença de animais nos jardins e sobre as consequências da permissão da ocupação livre dos espaços verdes por animais nas zonas urbanas.
O crescente número de animais de estimação no meio urbano, nomeadamente de cães, tem provocado a sua presença intensiva no espaço público. A natureza dos animais, a falta de civismo dos donos (parece que agora se designam por ‘tutores’), a deficiente limpeza do espaço público e a falta de fiscalização transformaram muitos dos jardins de Lisboa em verdadeiros WC caninos ou parques de uso exclusivo para cães.

A presença de dejetos caninos ou dos seus vestígios (mesmo quando recolhidos) são um foco evidente de disseminação de doenças. Trata-se de um preocupante problema de saúde pública. Claro que há outros, mas este é um manifesto problema que se torna particularmente grave nos jardins porque são espaços privilegiados para as crianças brincarem.
O caminho não pode ser o da monopolização dos espaços verdes pelos animais. Uma cidade que pretende atrair pessoas não pode começar por privilegiar os direitos dos animais em detrimento das pessoas.

A convivência entre pessoas e animais é positiva e deve ser promovida, mas com equilíbrio e estabelecendo uma hierarquia de prioridades. Nas zonas urbanas consolidadas onde a escassez de espaços verdes se verifica, deve garantir-se o seu uso pelas pessoas. A existência de espaços para os animais circularem livremente deve ser assegurada através de parques caninos.

Mas importa também elevar o civismo. O civismo não passa apenas por remover os dejetos dos animais mas, antes disso, por respeitar as pessoas – e as crianças em particular –, não as privando de usufruir, em segurança, o espaço público.
Nestas questões o problema não é dos animais, mas dos seus donos que muitas vezes confundem a natureza dos animais obrigando-os a adaptarem-se a um meio que não é o deles. Será isto respeito pelos animais?

O Parlamento encontrou consenso para criminalizar (e bem) os maus-tratos a animais, mas rejeitou um projeto de lei que pretendia criminalizar o abandono de idosos. Estamos ou não estamos perante uma inversão de prioridades e de valores?