O pullover de Da Vinci e a fiambreria…

Dante Panzeri, o homem da calvície franciscana, foi um dos jornalistas mais brilhantes e mais combativos de sempre!

Uma calvície franciscana: eis uma riquíssima expressão digna de um daqueles robustos talentos sempre presentes na obra do divino Eça. A calvície franciscana pertencia a uma figura libertária que marcou a história do jornalismo desportivo universal. Talvez por cá, neste país que é o que o mar não quer, segundo Ruy Belo, o nome de Dante Panzeri não faça tinir campainhas da memória. Andrés Burgo escreveu no jornal El Gráfico: «Os seus artigos deviam ser lidos com o som da Marselhesa como música de fundo!»

Panzeri era um tipo hipnótico.

Um jornalista que não dispensava a opinião: «Yo no participo de la comodidad del periodismo sin opinión que por allí suelen creer lo ideal del periodismo». Isto foi publicado na sua obra Fútbol, Dinámica de lo Impensado. Na argentina não há quem não o cite, avulso ou a retalho, tal como acontece com Nelson Rodrigues no Brasil. A comodidade do jornalismo sem opinião é uma frase forte, das que se defendem com um calor capaz de derreter o alcatrão dos caminhos.

Nos anos-60, Dante Panzeri foi diretor do El Gráfico. No dia de um Boca-River, em La Bombonera, recebeu a ordem de um dos administradores para publicar, juntamente com  a sua crónica do jogo, uma opinião do ministro da Economia de então, Álvaro Alsogaray, que também tinha assistido ao encontro. Mandou-o à merda e demitiu-se.
Matías Bauso dedicou-se ao estudo do seu trabalho. Leu milhares e milhares de artigos escritos por Panzeri. E formou uma opinião resoluta: «Dante Panzeri era un cabrón. Tenía carácter complicado. Era, también, entre otras cosas, testarudo, implacable, rígido, algo dogmático, obsesivo y difícil de llevar». Mas um jornalista de mão cheia.
Dante Panzeri morreu em 1978, três meses antes de se iniciar a fase final do Campeonato do Mundo na Argentina. Ele, que fora sempre uma voz contra o Mundial, tal como o poeta Jorge Luis Borges.

Certo dia de 1976, deslocou-se a casa do almirante Carlos Lacoste, o responsável maior pela organização do torneio. Explicou-lhe todos os motivos por causa dos quais a Argentina deveria renunciar a receber a prova. Que não era um país rico, como a Suíça, que existiam outras prioridades, da saúde à educação, que a renúncia daria uma imagem de grandeza da Argentina: «Nos haría más serios».

Não conseguiu demover os militares que tinham instalado uma ditadura da qual se considerou, desde sempre, inimigo. Desistiu do jornalismo. Sentia que já não havia lugar para ele. Viveu os últimos meses a fazer cobranças para uma empresa financeira.

Dante era um descontente. O descontentamento era a base que fortalecia o seu trabalho: «El periodista es y debe ser un descontento; ni la popularidad ni el gustar son los objetivos de la misión periodística! Somos fiscales, no jueces, y debemos ser parciales a favor del bien y en contra del mal. Con la verdad se vende menos pero se gana más!».

Sábias palavras.

Nasceu em Rosário, cresceu em Córdoba.

Viveu o sonho de escrever noel Gráfico e cumpri-o aos 21 anos.  Félix Frascara, que foi outra das grandes penas do jornalismo argentino, diria mais tarde que a entrada de Panzeri no jornal foi uma espécie de terramoto.

Em 1962 estava no Chile como enviado-especial ao Mundial.

Negou-se a fazer entrevistas.

Era taxativo quando afirmava que os jogadores de futebol não tinham nada para dizer.

Bauso tinha alguma razão quando lhe chamava cabrón.
Mas também não se recusou a sublinhar: «Hay algo increíble: nunca se contradice, no se traiciona ni una vez».

Gostava de questionar treinadores, de pôr em causa os seus métodos. Isso valeu-lhe inimigos a esmo.  Juan Carlos Lorenzo, selecionador argentino nos Mundiais de 1962 e 1966, era uma das sua vítima preferidas. Irritado com tantas críticas, Lorenzo chegou a desafiá-lo para se tornar treinador. Ele riu-se. Na primeira oportunidade afirmou que seria fácil a tarefa. Reduziu-o à insignificância: «Cómo no voy a poder ser yo técnico’, si Lorenzo dirigió dos mundiales? Si dirigió Lorenzo, cualquier puede ser técnico!».

Era um homem de batalhas. Iniciou uma guerra contra o que considerava « el fútbol mal jugado».  Uma guerra infinita da qual nunca poderia ter saído vencedor. 

Tinha a sua própria verdade e uma noção de que a honestidade intelectual deveria ser uma demanda eterna. E desprezava os elogios: «Ni el más genial de los hombres merece ser admirable porque lo que hace como cosa difícil para los demás, es fácil para él. El mayor genio humano fue hasta ahora Leonardo Da Vinci, y no creo que haya sido capaz de jugar bien al fútbol, o de tejerse un pullover».Com a sua calvície franciscana foi ficando cada vez mais só. Quando um leitor o atacou dizendo que, como cliente do jornal, tinha sempre razão, limitou-se a responder: «El Gráfico no es una tienda ni una fíambreria!».