Emails, traduções duvidosas, processos disciplinares: mais um dia no escritório

João Capela é acusado de ter adulterado deliberadamente o relatório do Tondela-Sporting. Jorge Jesus e José Eduardo Moniz estão na mira da Federação por – pasme-se – críticas às arbitragens; e o FC Porto levou a cruzada anti-Benfica ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Um dia no futebol português sem processos, acusações e gritaria, transmitida de forma verbal num qualquer canal semi-privado ou via redes sociais, já não é dia. Como tal, a parte final da noite de terça-feira e as primeiras horas do dia de quarta não fugiram à bitola habitual – e que está muito, muito por baixo.

No Porto Canal, Francisco J. Marques prosseguiu na sua demanda anti-Benfica/pró-“verdade desportiva” e garantiu que o FC Porto irá recorrer da sentença do Tribunal da Relação do Porto, que proíbe o clube e o Porto Canal de divulgarem correspondência eletrónica do Benfica (o famigerado caso dos emails), para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. “Consideramos que está a ser violado o interesse público que toda esta matéria encerra”, anunciou o diretor de comunicação dos dragões, comparando esta situação à que ficou conhecida como Panamá Papers ou ainda ao caso Wikileaks.

“Esta sentença põe em causa alguns princípios básicos da democracia, ao cortar a liberdade de expressão. Todos sabemos que há vários casos na história das sociedades ocidentais conhecidos através da divulgação de matéria classificada, como o caso Wikileaks ou o escândalo dos Panamá Papers. Tem sido essa a forma de descobrir práticas irregulares, como é também o caso do escândalo dos emails, o maior escândalo da história do futebol português. Ele originou a abertura de uma investigação por corrupção ativa e passiva e provocou buscas”, enumerou Francisco J. Marques. O antigo jornalista considera mesmo que a decisão judicial favorável ao Benfica configura uma situação de “cumplicidade das práticas pelo silêncio”.

Jesus, Moniz e Capela Voltando a solo nacional, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) também vai reclamando para si o protagonismo. De uma assentada, Jorge Jesus, treinador do Sporting, e José Eduardo Moniz, vice-presidente e administrador da SAD do Benfica, viram ser-lhes instaurado um processo disciplinar devido a… sim, o caro leitor adivinhou: críticas às arbitragens. Same old, same old, não é verdade?

Na flash-interview do encontro com o Moreirense, na passada segunda-feira, Jesus responsabilizou José Almeida (vídeo-árbitro) pela expulsão de Petrovic, acusando-o de “mandar o árbitro expulsar” o médio sérvio. “Está no momento certo para o Sporting ficar com menos um e assim tem mais dificuldade para poder ganhar”, atirou, numas declarações que podem ser interpretadas como uma acusação de premeditação, o que configura uma infração de lesão da honra e reputação do árbitro visado. Se for esta a conclusão do inquérito aberto pelo CD, o técnico do Sporting pode vir a ser suspenso.

Já Moniz acusou os árbitros João Capela (Tondela-Sporting) e Vasco Santos (Estoril-FC Porto) e respetivos vídeo-árbitros de terem tido “decisões lamentáveis” e nunca vistas no futebol português: “Nem no tempo do Apito Dourado há memória de uma semana tão negativa como esta, com decisões tão escandalosas e com reflexo no resultado final.” Arrisca suspensão pelas mesmas razões de Jesus.

Capela, parte dois E já se que se fala de João Capela, deixámos para o fim o processo disciplinar menos usual deste lote. O árbitro lisboeta teve várias intervenções polémicas no Tondela-Sporting (como os descontos sobre os descontos que acabaram por permitir aos leões chegar ao golo da vitória aos 90’+9’, ou o esquecimento de amarelar Coates após o central uruguaio despir a camisola nas celebrações do tento), mas foi o que escreveu no relatório de jogo que o pode vir a tramar. O documento ainda não foi tornado público, mas o comunicado do órgão disciplinar da FPF informa que a instauração do processo ao juiz da partida se baseia “em relatório de jogo e esclarecimentos”.

Pelas críticas do diretor de comunicação dos beirões, Vítor Ramos, nos dias seguintes ao encontro, é fácil perceber a razão do inquérito ao árbitro: é que Capela terá justificado a decisão de expulsar Murilo já depois do apito final devido ao facto de o avançado do Tondela o ter insultado com a expressão “Hijo de p…”. O “problema” é que Murilo, de 21 anos, é brasileiro e nunca jogou em Espanha nem fala castelhano, o que dificulta bastante a tarefa de João Capela em se justificar e credibilizar o próprio relatório.

O processo está agora nas mãos da Comissão de Instrutores da Liga, pelo que será necessário aguardar pelas cenas dos próximos capítulos. Mais uma ficha, mais uma volta no carrossel das polémicas no futebol nacional.